“Bem- estar não é apenas uma mera sensação de prazer é mais um sentimento profundo de serenidade e preenchimento, um estado que impregna e está subjacente a todos os estados emocionais e a todas as alegrias e tristezas que cruzam o nosso caminho”
– Começa por dizer Mathieu Ricard, considerado o homem mais feliz do Mundo, numa Ted Talk sobre “Os hábitos da felicidade”
Esta visão do budismo sobre a felicidade poderá parecer contraditória.Como podemos ser felizes quando nos sentimos tristes? Como poderão conviver no mesmo momento tristeza e felicidade?
Para perceber o que parece incompatível há que fazer uma separação entre duas dimensões: a do ser e a do sentir.
Estas duas dimensões confundem-se muitas vezes na forma de expressarmos o que sentimos. É comum ao expressarmos tristeza,por exemplo, afirmarmos:
– Estou triste.
Mas como poderei ser um sentimento!? Ao fazer esta afirmação estou a expressar que sou tristeza contudo, a tristeza não está no campo do ser mas sim na do sentir. É um sentimento,isto é, informação para a minha condição de ser humano e para a minha experiência de vivência humana.
Como mudar do ser para o sentir?
Trocando a afirmação anterior por uma variação:
– Eu estou a sentir tristeza.
As duas afirmações parecem semelhantes mas são afirmações completamente diferentes e que trazem em si informação também ela diferente. Esta última permite uma expressão, do que estou a sentir, de uma forma que me impede de incorporar a tristeza no meu estado do ser.
Parte do sofrimento em geral deve-se a este lapso e engano, deve-se à identificação que se faz com os sentimentos que estamos a experienciar e, este tipo de afirmações são apenas um exemplo disso.
O sentimento pode e deve ser nosso aliado e não um terrível inimigo que mina os estados internos. Para fazer este “shift” podemos encarar o sentimento como informação da nossa vivência, questionando-o e sondando-o, como investigadores curiosos e interessados num trabalho de investigação e de recolha de informação.
Como faço este trabalho de investigação?
Perguntando o que sinto sobre o que estou a sentir, por exemplo.
Este questionamento ao sentir, a meu ver, é um trabalho de auto-conhecimento e de enorme transformação pessoal. É o “mergulho” aprofundado no sentir do próprio sentir.
Um exemplo de questionamento:
“O que sinto em relação ao facto de estar a sentir tristeza?” – Este já é um trabalho de investigação a outro nível.
Virginia Satir chamava a este sentir o meta-sentimento, isto é, o sentimento sobre o sentimento que está à flor da pele, à superfície, como se houvessem duas dimensões do sentir: uma visível e quase palpável e outra mais oculta e quase inconsciente. E é nesta última, neste nível, que muitas das vezes reside a origem para o sofrimento vivido, a origem de uma vivência de infelicidade
Reformulando:
Eu posso ser feliz e sentir-me triste, pois eu não sou o sentir, eu não sou a tristeza, esta sim é apenas informação sobre a minha experiência interior. Eu posso ser feliz e ser inundado por um sentimento de tristeza, por exemplo, ou de alegria no outro extremo do espectro, isto porque a felicidade está no campo do ser e ao campo do ser chega muita informação, podem assim chegar muitas ondas de sentimentos, contudo a forma como eu olho e encaro os sentimentos e assim me emociono é que determina o meu estado de felicidade ou de infelicidade.
Se eu olho para a tristeza que estou a experienciar e me sinto triste por essa experiência é na infelicidade que vou estar a focar a vivência de mim, se por outro lado olhar para a tristeza, ódio, inveja ou mesmo a alegria ou outro sentimento e reconhecer que é, um sentimento fruto da minha experiência, saio do efeito, saio da identificação com o sentir, observo a experiência de mim próprio em todo o seu espectro do sentir, ao fim ao cabo “Emotions are data”- as emoções são informação, como afirma Susan David numa Ted Talk sobre a coragem de sentir.
A experiência que tudo traduz está no espírito
Se a felicidade é assim um estado do ser como criamos as condições internas para o aparecimento e manutenção deste estado? E, por outro lado, quais as que poderão interferir com o alcançar deste estado?
Alcançar este estado de ser feliz poderá passar por:
- Ganhar consciência da identificação com estados mentais de sofrimento e de bem-estar,
- Gerar antídotos para os destruidores do bem-estar interior ao, por exemplo, contrabalançar uma emoção dita negativa com uma dita positiva,
- Outro antídoto para todas as emoções é o exercício de olhar para o interior de cada sentir (o tal questionamento ao sentir),
- Transformar a minha mente tornando-me um observador do meu sentir,
- Treinar qualidades humanas com a compaixão e a gratidão.
A constância da felicidade não tem excepções, não muda de forma alguma. (…) a felicidade olha para todas as coisas e vê que são a mesma. Ela não vê o efêmero, pois deseja que todas as coisas sejam como ela própria e as vê assim. Nada tem o poder de confundir sua constância, porque o seu próprio desejo não pode ser abalado. Ela vem com toda certeza àqueles que vêem que a questão final é necessária para o resto, assim como a paz não pode deixar de vir àqueles que escolhem curar e não julgar.
– in “Um Curso em Milagres”