Temos muitos sonhos no início da vida, e ela nos leva por vezes por caminhos diferentes dos que queríamos ou somos nós que os escolhemos sem dar conta. Quem sabe?
Decidi fazer um curto relato sobre uma pessoa que há muito tempo não está entre nós, em jeito de pequena homenagem.
A Inês nasceu no Algarve, daí ter a alegria de viver do povo algarvio, que tão empático e simpático é (pelo menos os algarvios que conheço assim são). Ela brincava com toda a gente, pregava muitas partidas. No Carnaval, então, nem se fala, era mesmo a sua época preferida. Estava sempre a sorrir.
Em tenra idade, ainda não andava na escola, apareceu-lhe a Diabetes Tipo l, que, nesse tempo, era uma doença muito complicada, pois no tratamento era utilizada insulina de porco e tornava-se muito difícil controlar como deve ser a dosagem diária, para não haver grandes problemas com os níveis de açúcar no sangue. Imagine-se, então, numa criança.
Por isso, a nossa Inês foi sempre muito protegida pelos pais, uma vez que entrava facilmente em hipoglicemia e poderia ficar em perigo. Apesar disso, fez o liceu e aprendeu a tocar piano.
Era uma família de classe média e, dentro dos possíveis, nunca lhe faltou nada.
Mudaram-se do Algarve para o Alentejo. Agora, estava-se nos anos 40. Inês adorava passear nos campos de trigo alentejano, cheios de papoilas. A certa altura, conheceu o Carlos, que seria o seu futuro marido. Encontravam-se sempre com muito juízo, na presença de alguém, como eram as normas desta época do século passado.
Carlos era educado, meigo e respeitador. Namoraram algum tempo, que não sei precisar, com a aprovação dos pais dela. Infelizmente, ele já não tinha pais, tendo sido criado por uma tia, que lhe foi muito querida.
Após casarem, continuaram a viver em casa de Inês, já que Carlos trabalhava e a esposa, dona de casa e doente, ficaria muito tempo só, se mudassem para outro local. O medo dela se sentir mal, devido à Diabetes, ensombrava, pois era frequente tal acontecer, tendo ficado muitas vezes à beira de desfalecer, mesmo estando acompanhada. Como tal, tinha de ser logo assistida.
A mãe de Inês tinha o feitio um bocado especial e, às vezes, era muito implicativa com o genro, que tinha algumas aves de estimação. E a senhora não queria, porque as penas das aves sujavam. Enfim, nos relacionamentos, sejam eles quais forem, tem de haver algumas cedências de parte a parte, para se viver em harmonia. Carlos, com a sua calma e paciência, conseguia levar a bom porto esses problemas com a sogra.
Inês e Carlos gostavam muito de crianças e queriam ter filhos. Por causa, da Diabetes, teve 3 bebés que nasceram mortos. Uma grande amiga dela, a certa altura e sendo da área da saúde, recomendou que fosse a um médico especialista seu conhecido, que estava a desenvolver estudos neste sentido. A gravidez e a diabetes.
Começou uma nova etapa de esperança para a Inês. Após algumas consultas e muita disciplina, seguindo todos os conselhos do médico, Inês conseguiu ter o primeiro filho vivo. Muito desejado, muito amado.
Como só uma criança era pouco para eles e mesmo ela correndo alguns riscos de saúde, voltaram à consulta, passados poucos anos. De novo, Inês seguiu todos os tratamentos e a dieta prescritos. E, assim, nasceu uma menina, para alegrar ainda mais a vida de todos.
As crianças foram sempre muito acarinhadas lá na terra, pois os avós tinham um comércio e toda a gente os conhecia. Por isso, as pessoas sabiam também da dificuldade de Inês em ter filhos.
O tempo foi passando, as crianças foram crescendo, sendo muito amadas por família e amigos, mas (e há quase sempre um mas), no princípio da adolescência dos filhos, por causa das complicações derivadas à Diabetes, Inês começou a ficar muito doente, com graves problemas cardíacos. Em pouco tempo, o coração atraiçoou a felicidade daquela família e a Inês partiu.
Tempos muito complicados foram os que se seguiram. Ficaram uns pais e um marido completamente destroçados. Assim como os filhos, que nunca tinham pensado que iam ficar sem o seu grande apoio maternal tão cedo.
A vida é às vezes falsa e duma maneira ou de outra dá-nos algumas surpresas desagradáveis e para as quais não estamos preparados.
Gostaria de aqui deixar o meu carinho por Carlos e Inês, alguém que teve bastante força de viver e que não conheci, mas de quem era frequente ouvir a história, contada à minha família por amigos em comum.