Diz que disse

Após um mês de pausa, cá estou de volta com este espaço que, acima de tudo, é um local de palavras, essas mesmas que têm o poder de mover montanhas, criar a paz e a guerra, o pânico, ou a serenidade. É disso mesmo que venho falar nesta semana, das palavras que se dizem e das que se ouvem, que às vezes, sendo as mesmas, são, ao mesmo tempo, diferentes. Uma situação tem sido exemplo disso, a última polémica que envolve o ainda Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o Presidente da Rússia, Putin. O ponto em comum, simples, a comunicação social.

Não é a primeira vez que refiro a comunicação social neste espaço de crónica, até porque sou um crítico desta coisa que se vai chamando de comunicação social e que, supostamente, deveria ser um veículo de informação, esclarecimento e debate, mas que, cingida às regras dos mercados, torna-se um negócio como outro qualquer, que apenas procura dinheiro para sobreviver.

Quando surgiram num jornal italiano as palavras de Putin a Durão Barroso, que diziam “que podia tomar Kiev em duas semanas”, criou-se um caos diplomático que, no mundo em que estamos, volátil e complexo, pode ter consequências drásticas. Não se pode pôr em causa as palavras, até porque Putin não as desmentiu, mas põe-se em causa duas coisas igualmente importantes. Existe uma conversa, um contexto, mais palavras à volta, palavras essas com uma intenção que apenas Durão Barroso e Putin conhecem. Existe depois uma partilha do Presidente com a sua Comissão, supostos membros fiéis e que se preocupam com a situação que se vive na Ucrânia. Existe por fim uma informação que chega a um jornal. Problema primário é o de haver alguém na Comissão Europeia que tenha algum tipo de interesse em partilhar tal informação descontextualizada (ou não). Problema igualmente importante é o de uma imprensa sensacionalista que precisa de uma frase chavão, polémica, para ganhar audiências e vender mais jornais e publicidade. Erro crasso, sem dúvida, o de Durão Barroso, que deveria automaticamente ter vindo esclarecer a situação e não esperar um ultimato de Putin para resolver a situação, mas esse sempre foi um problema de Durão Barroso, promissor de qualquer coisa, mas sem pulso político para fazer face a situações críticas.

Em última instância, existe um outro culpado da situação, um anónimo vilão, o próprio povo consumidor das notícias, ávido de escândalo, de notícias da vida alheia, seja o vestido de noiva da Angelina Jolie, seja o divórcio do casal mediático, ou, nas notícias “mais sérias”, o odiozinho de estimação que se tem por Putin (não, também não sou de todo seu fã). É este público que dá aos meios de comunicação social a liberdade de fazer cusquice em vez de jornalismo, de criar polémica em vez de esclarecimento. Sim, todos somos culpados, todos lemos os Correio da Manhã, as Holas e as Marias. Porque é que isto acontece? Várias razões podem explicar, mas existe uma em especial que não pode ser menosprezada.

O cidadão de hoje é diferente do cidadão de há 20, ou de há 10 anos, mas a necessidade é a mesma, a de se fazer ouvir e de dar a sua opinião. Contudo, hoje existe algo que confere uma oportunidade única, que são as Redes Sociais. O que se encontra é um conjunto de pessoas loucas de dizerem o que quer que lhes passe pela cabeça, nomeadamente quando é para insultar, julgar e discriminar, insatisfeitas com tudo, com as suas vidas, sem paz interior, que com as suas atitudes fomentam um caos que apenas serve de negócio a muita gente que continua, muito feliz, a ganhar dinheiro à custa disto.

Na prática, este é o reflexo de uma sociedade com muitas coisas acumuladas, onde a sua opinião não é ouvida. Para mim, é sem dúvida o reflexo de que existe um conjunto de sistemas, que vão desde o político ao educativo, que precisam de ser mudados de forma a incluir a voz dos cidadãos. Para isso acontecer, também é preciso que se recupere algo que se tem vindo a perder, o conceito de comunidade e de participação colectiva, a união entre as pessoas de grupos com o mesmo interesse, sejam associações, sejam freguesias, seja o que for. Como isto não existe de forma fluída, como toda a gente quer ter razão e não permite flexibilizar-se, ouvindo as opiniões dos outros, como as associações mais activas que existem apenas promovem uma luta contra qualquer coisa, a verdadeira opinião sobre as coisas verdadeiramente importantes, não é transmitida, não é dita, não é ouvida, transformando-se assim em ódio, em revolta, em frustração.

Na verdade, se cada um de nós fizer uma pequena reflexão, irá ver que este cenário macro, na realidade, é apenas o reflexo de uma realidade muito mais próxima, que se passa entre familiares, amigos e trabalho. Talvez seja por aí mesmo que se terá que começar a mudar, pela atitude que cada um tem para consigo mesmo, respeitando-se a si e ao outro, dizendo, mas também ouvindo.

No mundo do diz que disse, há sempre alguém que ganha e outro que perde, há sempre alguém que influencia e outro que é influenciado. O que pedimos constantemente à classe política é o que temos de começar em nós, individualmente, a fazer: sermos transparentes, claros, verdadeiros e directos.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Get into my car

Next Post

O Logótipo de um Turismo de Chuveiro

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

O Outro lado da Moeda

Normalmente, os meus textos, para quem me conhece, sabe que são por norma levianos e nostálgicos, mas hoje não.…