
Ao acompanhar os acontecimentos destas últimas semanas, apercebo-me que o mundo em que vivemos tem em si uma profunda dualidade que está a impedir, de forma muito clara e fracturante, o avanço e o desenvolvimento de muitas questões.
Durante séculos, cultivámos a individualidade e o ego, o olhar para o próprio umbigo e a luta pela sobrevivência individual. Entrámos em processos de enorme competitividade, passando por cima uns dos outros, baseados na lei do mais forte. No entanto, pelo meio, a “fatalidade” de sermos seres sociais levou-nos à necessidade de criarmos uniões e parcerias. Estes dois factores são, sem dúvida, os ingredientes principais para todos os conflitos que estamos a viver, quer em termos sociais, quer em termos individuais.
O mundo em que vivemos está marcado por inúmeros impasses, por situações que teimam em não se conseguir resolver, por egoísmos e por ideologias pessoais. Veja-se o caso da Grécia com a União Europeia, a situação das eleições em Espanha ou, mais próximo, a perspectiva dos resultados nas eleições legislativas em Portugal e os conflitos que já se estão a criar. A forma que criámos de nos olharmos a nós mesmos e a filosofia de competição com que passámos a reger as nossas vidas tornou-nos cegos à simples cadeia de energia que nos rodeia.
Nós somos os melhores, os outros são os maus e nós é que estamos certos e tantos outros argumentos egoístas, levam a que não se encontrem soluções, mas sim remendos para resolver questões que, mais cedo ou mais tarde, vão voltar a romper-se. Cada lado puxa a sua corda, enraivecido por haver um outro lado a puxar também, ninguém cede, ninguém quer ceder, ninguém percebe que, desta forma, remaremos todos em direcção a um abismo.
Os impasses que vivemos são fruto de olharmos apenas para nós e não para um crescimento e um bem comum. Os sistemas de decisão e de governo, com as dificuldades e os desafios que os tempos de crise trouxeram, mostram-se totalmente desajustados de uma realidade que pede que se coloquem as ideologias de parte e se trabalhe em conjunto, permanentemente, com vista a criar um progresso e um futuro sustentáveis. Para isso, é preciso largar a filosofia de competição e de individualismo, transformando-a numa filosofia de partilha e impulso conjunto, sem, claro, deixar de valorizar o esforço e recompensa-lo.
Não nos enganemos e pensemos que isto só se passa nos governos e nos Estados, pois eles são o reflexo de cada povo, assim como toda e qualquer instituição que exista. A resolução passa, sem qualquer margem de dúvida, pela mudança de mentalidade e pela imprescindível atitude de nos permitirmos sair das nossas zonas de conforto, sem medo de perder o que temos e compreendendo que, afinal, é apenas partilhando, como a própria natureza faz, que nos podemos permitir crescer.
A natureza é (e deveria sempre ser) o nosso melhor mentor e o nosso melhor mestre, pois nela todos têm uma função distinta, mesmos os mais parecidos, mesmos os que pertencem ao mesmo tipo, à mesma espécie, têm um papel único e, sem cada um deles, nada seria igual. É ela que nos mostra também que, quando cada um sabe e respeita o seu papel, cria-se um natural equilíbrio, que permite o crescimento sustentável e a evolução. Creio que, para resolvermos muitas das questões que hoje vivemos, bastaria observar um pouco a natureza e perguntarmo-nos o que ela faria numa situação como a que vivemos.