Existem muitas maneiras das pessoas se divertirem. Umas gostam de futebol, que lhes liberta os fantasmas e dá alento para a vida, outras vão à igreja e falam com os seus santos e beatos, outras ainda tentam angariar mais adeptos para as suas causas e é vê-las a informar que o mundo será uma linda pagela, bem desenhada e todos serão muito felizes.
Eu ainda não cheguei a esses patamares de elevação espiritual por isso opto por outros ramos que me aliciam com ardor. Também não será o álcool que me seduz, pois sou abstémia e não foi por falta de treinos. Ou talvez já esteja reformada do dito e essa actividade não me deixou saudades. Sou assim um bocadinho para o esquisito, mas sinto-me bem neste nível.
Para mim o melhor que existe são reuniões de condomínio, onde não há nada para dizer porque a administração faz o seu papel em condições, mas serve para os condóminos, desfrutarem da sua terapia anual. Sempre se torna mais leve e divertido que consultar especialistas. Poupa-se uma pipa de massa com os referidos e ainda têm a vertente cómica e muito salutar.
Os filmes portugueses dos anos 40 dão sempre o mote a estas conversas que me deixam maravilhada. Aqui o que acontece é que são pessoas que vivem no mesmo prédio, há muito mais de 30 anos, mas odeiam-se profundamente. É verdadeiramente hilariante. E todos os anos há conversas novas, apesar de outras serem repetentes.
Da primeira vez fui ameaçada com uma caçadeira. Fabuloso! Que me faziam e aconteciam e o diabo a sete mais a bruxa má das histórias infantis, que as outras têm muita conotação sexual e aquilo já são pessoas mais entradotas e não se esticam por esses campos. Não me queriam por lá, como se fossem eles os donos de tudo, dizendo que chamariam a polícia. Que delícia. Ainda estou à espera. Promessas que nunca são cumpridas….
Depois fiquei a saber que os filhos de algumas senhoras eram uns queridos e que faziam gosto que as mães tivessem novas decorações em casa incluindo as mobílias. Quer isto dizer que eram viciados em substâncias ilícitas e que, como recurso, venderam os bens familiares. Correu bem para eles, que estiveram fora uns tempos, assim numa espécie de spa, com tudo incluído e ainda como sol aos quadradinhos. Para as mães foi um descanso. O curioso é que havia sempre variantes das suas boas condutas. Uns lindos meninos.
Mais tarde, inteirei-me que uma das vizinhas ajudou a criar estas duas belas criaturinhas e as respectivas mães não se falavam. É bonito. Entregamos os filhos a quem odiamos? Sempre a aprender, neste mundo de actores de várias categorias. A que os cuidou esteve entre a vida e a morte, entalada, por uma rude e inaceitável negligência, numa máquina de exames especiais, o que levou às chamadas pazes. Uma cena linda com lágrimas e suspiros.
Muito haveria que contar, mas o melhor é a guerra que o vizinho do r/c tem com o do último andar. Um clássico. É épica e nem a Guerra das Estrelas ou outra similar consegue suplantar estas sequências. Um deles está sempre pronto a fazer o que seja preciso pois está reformado. Já o outro, nem por isso, sendo a sua vida uma roda-viva. Contudo, encontra-se o equilíbrio quando se quer.
A maior questão foi o facto de se ter arranjado o telhado, coisa que até é de louvar, mas as antenas, aquelas coisas com ar de extraterrestres que não servem para nada, terem sido deitadas fora. Não faço a mais pálida ideia do que lhes queriam fazer, à dita coisa ridícula e sem jeito, mas a conversa é sempre a mesma:
– Você deitou fora a minha antena que me custou muitos contos de réis!
– Para que é que a queria? Já não serve para nada!
– Você é um *******!!!! **********!!!! Eu vou-lhe aos cornos e ********!!!
Uma autêntica pérola poética que deveria constar nos anais da história deste país. Fica somente entre nós que somos os eleitos, mas eu partilho convosco, que sou uma mãos largas no que toca a conhecimento. Vou distribuindo por todos os lares. Depois insurge-se uma vizinha, porque o tapete isto e aquilo e as pessoas ligam as máquinas de lavar durante o período nocturno e não se pode descansar.
Convenhamos que quem reclama não tem obrigações de maior, mas os velhos hábitos persistem. E sempre num tom de desdém que eles é que sabem e os outros são todos uma porcaria. Quem teve que fazer e deixou de lado as suas obrigações, perdeu-se na vida por uma ninharia. As manias são piores do que as doenças.
Eu assisto na minha cadeira, de plateia. Empresto a casa para que este arraial não decorra no patamar das escadas. Bem sei que teria mais público, mas assim considero-o mais meu. Lembra-me sempre o Evaristo e o Rufino que se pegavam por tudo e por nada. Só que esses eram na fita e estes são na vida real. Hilariante e dramático com pitadas de tristeza.
Mais de 30 anos e após dificuldades acrescidas nas suas vidas, amparados uns pelos outros e continuam assim. Se isto não é amor não sei que nome lhe possa dar. Alguns temas são recorrentes, como o tapete e a antena, mas cada reunião é sempre uma lição de vida e música doce para os meus ouvidos. Aos poucos vou sabendo da desdita de todos, os podres e as misérias e assim a vida sorri.
Entretanto aproxima-se a hora de jantar e os ânimos acalmam. Pedem-me sempre desculpa, que não deviam ter dito aquilo, que são assuntos antigos e eu sorrio com boa vontade: “não tem importância, quer dizer que se sente bem aqui.” Durante a semana terei as visitas de cada um, a solo, para justificar o que aconteceu. Um ritual que se repete e que, para ser sincera, me diverte.
Digam lá que não é uma maravilha? Para mim é sempre seda importada ou chita, que eu gosto de coisas simples e de pessoas que o sabem ser. Sem filtros, nem rede e com leões por baixo. Agora acabou. Já nem moro nesse prédio e a sacana da pandemia acabou com estas delícias e reuniões. Uma pena das grandes.
Um deles está caquético e já nem sabe quem é. A vida tem planos mais elaborados que os próprios. Um outro perdeu a raiva que tinha acumulada dos anos de se levantar de madrugada, outro telefona-me a relatar as contendas de comadres e eu, que os gosto, sinto falta dos momentos doces que um dia, em plena harmonia, partilhámos com tanto carinho.