A homossexualidade tem sido expressa de modo magistral através da arte. Tal afirmação parece considerar uma combinação bizarra, mas o fenómeno tem feito parte da história humana desde o início dos tempos. Não deixa de ser um desafio e uma dificuldade acrescida e, como tal, suscita polémicas e opiniões que levantam celeumas enfurecidas. É bom. É sinal que os assuntos são debatidos e que incomodam. Se incomodam, levam à luz e esta à evolução. A mentalidade é o que mais custa a alterar, porque é interior, não precisa de ser camuflada e é usada em cru. Quer isto dizer que não está burilada nem polida. É um trabalho contínuo, mas gratificante.
Antes de 1869, as palavras homossexualidade e heterossexualidade não existiam. Inicialmente a primeira palavra era usada como um termo simpático relacionado com o activismo político que pretendia alterar uma lei repressiva. Contudo, com o passar dos tempos, envolveu um conceito que descrevia uma preferência sexual específica. No final do século XIX, a palavra adquire uma conotação médica e clínica. O relatório Kinsey, de 1948, permite a sua entrada na linguagem corrente. A ele se deve o desafio social e o escândalo provocado pelos seus estudos sobre sexualidade. Através das suas pesquisas e trabalhos, prova que a homossexualidade não é uma doença mental, mas sim um estado natural do ser humano.
No sentido moderno, a homossexualidade é uma condição psicológica, com desejo erótico e uma prática sexual. Também pode ser usado o termo homoerótico, mas não tem o mesmo sentido. Homossexual relaciona-se com o acto físico do sexo e homoerótico é o conceito que incorpora um conjunto de ideias e sentimentos sobre desejos, necessidades e vontades, que podem ou não almejar o acto sexual. A homossexualidade está, frequentemente, associada à noção binária de sexo e género. A mesma implica o sentimento sexual e a expressão, nas suas várias e múltiplas expressões eróticas, que é distinto e separado da chamada heterossexualidade.
Na Grécia Antiga, os discursos ligados a pederastas (amor aos rapazes) e sodomitas relacionavam-se com a classe, a idade e o estatuto social e eram mais significativos do que o facto de dois parceiros não serem do mesmo sexo. Quer isto afirmar que a bissexualidade era comum e bem aceite, naturalmente. O conceito de imoralidade ou inversão sexual são formas modernas de abordagem do tema.
Outro aspecto significante é a rotulagem e a linguagem, a utilização das palavras. A palavra homossexual é substituída por gay, que exemplifica a importância da dimensão política e da individualidade e identidade que comporta. Esta passagem ficou associada aos conflitos de Stonewall, em 1969, onde os activistas políticos chamaram a atenção para a consciência do movimento, desligando-se totalmente da noção clínica do movimento a que estava associada.
Gay está ligado a homens e mulheres, no entanto, algumas mulheres preferiram a designação de lésbicas. Nos anos 70 e 80, a palavra gay aumentou de sentido. Mais recentemente alguns membros da comunidade gay rejeitaram a designação de gay a favor de queer, um termo de inclusividade que relaciona todas as pessoas e categorias não heterossexuais. Esta mesma palavra, que já existia, foi usada como termo de ostracismo e de patologia contra os homens, desde 1910. Nos anos 90 foi adoptada por um grupo de homens que se quiseram diferenciar e afastar da cultura gay, que acreditavam não ser a mais correcta, pois consideravam que tinha havido um acomodamento e desvio dos seus verdadeiros interesses.
Grécia e Roma – o exemplo dos clássicos
Os Gregos originais eram bandos de populações rurais que se espalharam pela cidades-estado. A prática da homossexualidade era corrente e era considerada uma tradição. A pederastia estava ligada ao treino militar e à iniciação dos jovens na vida adulta. Cada cidade-estado tinha as suas leis e práticas diferentes no que se relaciona com o assunto. A referência mais antiga provém de um fragmento escrito pelo historiador Ephorus de Kyma (405-330 AC), contando a história dum ritual ancestral, praticado em Creta, no século VII a.C., em que os homens mais velhos iniciavam os mais novos nas práticas de caça, sobrevivência e actividades sexuais.
Outras fontes baseiam-se não só na poesia clássica como também no teatro de comédia de Aristofanes, Eurípedes e Sófocles. Contudo, os melhores suportes são os vasos e pratos que chegaram aos nossos dias, que relatam cenas da vida quotidiana e as suas práticas sexuais. Plauto debruçou-se sobre o tema da homossexualidade, defendendo-a como um patamar elevado da espiritualidade. A iniciação sexual com os mais velhos era uma forma de socialização e de educação dos rapazes, bem como uma forma de cidadania. Servia como um complemento e não uma rivalidade aos casamentos heterossexuais.
Os Romanos absorveram o grosso da cultura grega e etrusca bem como as suas práticas, nomeadamente a religião politeísta, os deuses e as deusas. No entanto, no que toca à sexualidade, a questão foi tratada de modo muito diferente. Os poderosos dominavam quer as mulheres quer os homens, tendo várias/os amantes, escravos/as e rapazes para a sua satisfação sexual. A prostituição era legal, feminina e masculina. As relações homossexuais não eram condenáveis, mas o instinto de macho dominante era prevalecente. Seria preferível ser o “insertor” do que o “recebedor”. A homossexualidade só era punida se colocasse em risco a estrutura social e o estatuto.
A maioria dos Imperadores romanos eram sexualmente ambivalentes, logo a homossexualidade era bem aceite. Porém, existe neste período o embrião do machismo, relegando as mulheres, as amantes, as escravas e até mesmo as legítimas para segundo plano. O domínio do homem estava assegurado. O aumento das práticas homossexuais e outras formas de prática sexual foram um dos motivos, não a causa, do declínio do Império Romano.
Várias estátuas e outros objectos, como taças e pratos, demonstram a importância do corpo e da beleza que este provocava. Os movimentos graciosos e a influência dos deuses e outros seres mitológicos era essencial, pois, além de proteger as práticas, participavam nelas elevando-as a um nível superior de espiritualidade.
O cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano em 381, com Teodósio (336-395). O Imperador Constantino (274-338) legalizou-a no século IV. A pena de morte pelos actos homossexuais foi imposta em 342 por Constantino e Teodósio decretou a morte pela fogueira. O comportamento lésbico foi criminalizado através de uma lei de Diocleciano, publicada em 287 a.C.
A pena de morte para actos homossexuais masculinos e femininos continuou activa no Código Civil, até ao final do século XVIII, na maior parte dos países da Europa. Nunca se iria imaginar que estas práticas, séculos mais tarde, suscitariam movimentações de grupos e gerariam novos vocábulos e posturas perante a vida. Uma sociedade é dinâmica e as revoluções acontecem, quando os que se sentem injustiçados soltam e sua voz e encontram formas de a fazer ouvir.