Os professores são o último reduto da liberdade em democracia, dos ideais da justiça, da fraternidade, da amizade, da humanidade, da solidariedade e da educação, mas, atenção, os professores não podem e nem devem levar a sociedade às costas. Devo esclarecer-vos acerca de como um professor se forma, desenvolve e evolui continuamente. O percurso é longo e cheio de armadilhas. Primeiro, tem que estudar, tirar uma licenciatura, científica ou, de via de ensino.
Os professores que estudaram através de cursos para a via de ensino, estudaram 4 anos de licenciatura, o último dos quais é já a prática em escola, leccionando e sendo supervisionados. Os professores do ramo científico, que são muitos milhares, tiraram uma licenciatura científica, que durava 4, ou 5 anos, antes de Bolonha, que nem sequer é para dar aulas. Estuda-se afincada e exclusivamente um curso científico, aprende-se tudo, desde os primórdios da origem de algo (leia-se História, se for esse o caso, Português, Geografia, Matemática, Direito, Física, Química, Medicina, etc., conforme o caso) até aos tempos modernos, e na minha altura ninguém se livrava de exame, se não tivesse no mínimo 12 valores à cadeira anual, nem ninguém se livrava de ter orais às cadeiras anuais de cerne do curso. Pelo que, depois de 4 anos nisto, há mais 2 de especialização, seja para se ser um Professor, para divergir para outra área, ou para se ser um Médico, um Cientista, ou um Enólogo, entre tantas outras mil licenciaturas científicas, que existem no país. No caso do Médico, dão-lhe o nome de internato. No caso de um Professor, chama-se Estágio e Pedagógicas, essa grande ciência, que estuda e ensina todo o modelo pedagógico, o modo recto e justo como o professor deve agir, com base no estudo não só de métodos e técnicas de ensino, bem como o da Psicologia, do crescimento e da evolução do ser humano, enquanto indivíduo com direito à sua individualidade. Estudam-se teorias da educação, didácticas das disciplinas que se vão ensinar, currículo a leccionar, técnicas diversificadas de o planificar e organizar, etc., etc. Segue-se a parte prática, a que se chama estágio, com um orientador por cada disciplina onde se deseje profissionalizar. Os que vencem esta dura e áspera etapa, que é mais uma odisseia, tornam-se professores com qualificação profissional para poderem dar aulas naquelas matérias. Para que o percurso fique devidamente concluído, “tiram ainda um curso de direito”, só para conseguir ler toda a legislação e directivas vindas do Ministério da Educação, de forma a saberem com que linhas se hão-de cozer e a conseguirem concorrer aos tão afamados concursos, sem ver o seu formulário de inscrição anulado, só porque, por exemplo, se enganaram na designação do nome de um qualquer curso, ou porque faltava uma vírgula no dito formulário de inscrição. Isto é só uma pequenina ponta do novelo. As injustiças são tão gritantes que é inumano ensinar o humanismo, a justiça, a fraternidade, a igualdade e depois sofrer na própria pele o contrário, que é perpetrado por pessoas do Ministério que não têm de todo estas qualidades.
Há ainda a questão da burocracia, onde se afogam diariamente. Um professor estuda 6 anos e, tal como um médico, um investigador, ou um arquitecto, é um estudante ao longo de toda a sua vida, um leitor assíduo de todas as novidades em educação e outras matérias de interesse, para dar ao seu ensino qualidade científica e pedagógica. Só que, na prática, o Ministério está muito mais interessado que se preencham papéis sem fim e que se façam redacções de planos educativos especiais, para que os alunos (baldas) que não se esforçam possam passar, apesar de não terem adquirido os conhecimentos considerados pelo próprio Ministério como mínimos. Há duas medidas neste processo, a da falta de exigência aos alunos e a máxima exigência aos professores.
A vida dos professores contratados é um autêntico inferno, que perdura há muito mais de uma década. Há professores contratados com 15, ou mais anos de serviço, que todos os dias 31 de Agosto (o mais tardar) de cada ano são despedidos, ano após ano, ficando com a vida em pausa, numa incógnita insuportável de como irão alimentar a família no ano seguinte. Se isto só agora choca a União Europeia, só posso dizer que no mínimo acho estranho, pois há mais de uma década que os professores fazem chegar denúncias anónimas à dita União Europeia sobre esta calamidade. Há mais de uma década que a União Europeia poderia ter invertido esta situação precária dos professores, em que existem professores a trabalhar a recibos verdes há 14, ou mais anos, sendo uma profissão de patrão fixo, local fixo de trabalho e o mesmo horário ao longo de todo o ano lectivo. Não se compreende como pode o estado estar a ser um ladrão com lei, como uma vez ouvi de um funcionário do Instituto Financeiro da Segurança Social, que cobrava ao mesmo tempo uma dívida respeitante a isso mesmo. Haverá mais profissões neste momento, nestas condições, sim, sei-o bem, mas pelo menos não são humilhados, denegridos e enxovalhados todos os dias nos meios de comunicação social e pela sociedade em geral.
Assim, para concluir, somente para os incautos, que ainda têm dúvidas acerca de como é difícil ser-se professor todos os anos… imaginemos que se concorre em dois concursos a horários para se dar aulas. Cada um pior que o outro. No último concurso, fazendo umas simples contas, imaginemos o que é mais que plausível que se concorre no secundário a 280 horários e no ensino básico a 40, estas candidaturas a estes horários são um teste ao limite da paciência de cada professor: tem de se preencher 320 vezes, várias caixinhas, para dar sempre a mesma informação, com o site a bloquear e a ter de se fazer tudo outra vez. Uma situação irreal, onde parece que quem coloca os professores deve ser autista e deveria estar ao abrigo do decreto de lei dos NEE, pois não se compreende porque se tem de prestar em 6 caixas diferentes a mesma informação para cada um dos 320 horários! Se o tempo de serviço antes e depois da profissionalização não muda, a classificação da licenciatura não muda, a data de nascimento não muda, a data de conclusão de licenciatura não muda, a data da profissionalização não muda… enfim, qual é o motivo para que 30 000 professores tenham de preencher sempre a mesma informação, várias vezes, sem conta e sem fim? Eu diria que o Ministério ou é burro e contrata programadores e recrutadores burros, ou, então, está propositadamente a praticar a tortura, pois de facto não é de todo normal ter de preencher os mesmos campos 1920 vezes.
Com toda esta odisseia, agora, vem o Ministério afirmar, publicar e decretar que todos os professores contratados que desejem ir a concurso no próximo ano têm que obrigatoriamente fazer uma prova, para validarem o que já são. Isto é o cúmulo da estupidez humana e da injustiça, uma vez que estudámos exactamente o mesmo, ou mais que qualquer outro trabalhador licenciado, estudámos, repito, continuada e afincadamente, ao longo do tempo, não perdendo a esperança de construir um futuro melhor, numa carreira por vocação. Porém, mais uma vez, como é de costume, o Ministério corta-nos as pernas, apesar de achar que desta vez não vão levar a deles avante. É que já vilipendiaram excessivamente esta profissão durante décadas, que, estou em crer, já não terão onde o fazer.
Há muitos professores a ponderar mudar de profissão, mesmo quando todos os anos têm alunos e de todos os alunos adorarem as suas aulas. É pena, mas primeiro que tudo está a integridade física, pois, quando o trabalho não dá o que comer e a sociedade é cega e não valoriza os professores, alguma coisa se tem de fazer. Desafortunadamente, acredito que muitos professores estão neste preciso momento, a ter o mesmo pensamento e a buscar saídas para o seu infortúnio, porque todos estudaram e muito e todos têm de comer.