Mudar de casa é uma rotina para alguns. Pegar nos seus pertences, naquilo que considera seu e partir para outro local. Está o assunto arrumado. Nova etapa, nova casa e a anterior fica no mesmo local à espera de alguém que a venha habitar novamente. Ficam as memórias nas paredes, no tecto e no chão. Guardam segredos que só elas sabem e que estão no cofre das confidências.
Alguém foi e não olhou para trás. Ponto final na relação. Os que chegam ali começam a aventura. Trazem as suas coisas, os seus bens que serão úteis na nova casa. É o início de uma nova vida. Nada sabem de quem lá esteve e do que aconteceu. Paredes e tectos são quanto basta para se sentir protegido e com segurança.
Uma casa não é um lar, mas pode acumular tanta vivência que se transforma num ninho, numa redoma de sentimentos positivos e desejados. Lar é onde nos sentimos confortáveis, onde o nosso corpo descansa e a nossa alma encontra o lugar certo para se encaixar. As paredes são testemunhas das conversas, das confidências, dos acontecimentos e dos festejos.
Os Natais, as passagens de ano, os aniversários e tantos outros momentos passados em família fazem um todo, uma união que só aqueles que as viveram sabem entender. As conquistas de cada um, os desgostos, as alegrias e os segredos estão todos inscritos naquelas paredes. Os pézinhos dos bebés, os vomitados dos excessos, os xixis do cão, as bebidas entornadas estão para sempre naquele chão onde tudo aconteceu. O tecto foi sempre abrigo, cobriu o que era preciso e necessário.
Quem entra não sabe nada disto. Vem com a sua vontade e o seu desejo de criar laços, de fazer a sua história, de viver com tranquilidade e calma. Uma casa é um porto seguro, um abrigo das intempéries e um verdadeiro confessionário. Tudo fica registado mesmo que não seja escrito. O ambiente inala as emoções e acumula-as, para o bem e para o mal. Os novos nada sabem, são uns ingénuos e puros que iniciam o seu percurso.
Quantas lágrimas foram choradas naquele quarto? Quando amor foi feito naquele espaço repleto de janelas que filtram a claridade? Quando planos foram feitos na cozinha pela manhã? Quantas refeições foram partilhadas? Se as casas falassem tanto que se poderia saber sobre as relações humanas.
No silêncio da noite essas casas, as que têm histórias e viveram emoções, soltam pequenos sons, ruídos singelos que evocam os habitantes anteriores, que expressam a saudade do que se passou, que clamam por sentir novamente sentimentos e emoções que possam ser memoráveis e inesquecíveis.
É um género de vício que está impregnado nesses espaços, uma necessidade de estar vivo, de respirar e de sentir. Uma relação quase física que se pretende perpetuar. Quando estas casas estão vazias choram para chamar a atenção e quando são ocupadas podem chorar de saudades. Os que lá estão ainda têm um longo caminho até serem merecedores de registo. Estão verdes e não prestam.
Aqueles barulhos que se ouvem durante a noite são as paredes a conversarem, a recordarem tudo o que se passou e a libertarem as suas mágoas. As casas têm vida e sabem sentir, mas de maneiras diferentes. Guardam as energias e as vibrações que lá aconteceram. Acumulam as dores que necessitam de ser exorcizadas.
As casas são quase seres vivos e também sofrem desilusões. Recebem todos de braços abertos na esperança de escreverem uma história comum e muitas das vezes nem tempo existe para o primeiro capítulo. As pessoas parecem não saber criar laços, aconchegar-se e fazer as suas confidências tão necessárias para o equilíbrio do universo. Perde-se a humanidade todos os dias.
Os que foram deixaram as lembranças, impregnadas de emoções e os que chegam ainda estão perdidos. Não há ainda o elo, aquela voz suave e doce que ajuda a adormecer e que passa a mão pela cabeça quando o pesadelo atormenta. É uma experiência em branco, sem garantias de que vá resultar. A lei da atracção é tão delicada que não sabe aceitar um não. Uma casa é uma enorme história de amor que se vai completando, diariamente, sem se dar conta.