“O Homem é um animal político”, já escrevia Aristóteles no distante século IV a.C. Desde esse tempo, tanto a política, como as ideologias têm tido uma evolução assinalável. No estudo da história das ideias políticas, há sempre duas variáveis que sempre se conseguem identificar: uma pelo status quo (mais conservadora) e outra pela mudança (mais progressista/liberal).
Estas duas posições aparentemente antagónicas deram origem, nos primórdios da política moderna (meados do séc. XIX), ao que chamamos hoje de bipartidarismo: dois partidos com posições políticas distintas que disputam entre si (de forma rotativa) o poder político. Pode-se constatar esta realidade, tanto em Inglaterra (o modelo do parlamentarismo), como em Portugal que, no primeiro caso Whigs e Tories, e, no segundo caso, Progressistas e Regeneradores, disputavam entre si o poder. Eram, respetivamente, visões liberais/progressistas e visões conservadoras que se confrontavam.
Isto ainda é constatado na política atual. No nosso contexto nacional, temos dois partidos dominantes desde o início do atual regime constitucional: o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD). Temos também mais dois partidos que os acompanham também desde 1976: o Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Comunista Português (PCP). Estes quatro partidos têm sido a constante da vida parlamentar portuguesa desde há cerca de quarenta anos. A estes juntaram-se, ao longo do tempo, o MDP/CDE, o UDP e, atualmente, o sucessor informal do último mencionado, o Bloco de Esquerda.
No PS e PSD, temos a materialização da ideia que já expressei atrás – o bipartidarismo. Por um lado, temos um partido comprometido com posições mais liberais (em termos sociais) e progressistas (em termos económicos), o PS, e, por outro lado, temos um partido mais conservador (em termos sociais, especialmente), o PSD.
Contudo, durante muitos anos, especialmente em termos económicos, os dois partidos tinham uma política muito semelhante. Retrato disso é a confissão de Cavaco Silva, atual presidente da República e antigo primeiro-ministro pelo PSD, que um dia se identificou como keynesiano. Keynes foi um economista britânico ligado às politicas económicas do pós-guerra que consistiam numa grande intervenção estatal na economia, algo que os partidos situados mais à direita no espectro político (como é o caso do PSD) se opõem veementemente (pelo menos na atualidade).
Estes são dois partidos que discordam em várias matérias, mas que não se opõem ferozmente em quase nada. São dois partidos muito semelhantes, que constituem o que chamamos nos dias de hoje de centrão: área cinzenta da política em que os dois grandes partidos, os da governação, propõem políticas não muito distintas para resolver os problemas.
Feito o ponto de situação dos dois partidos dominantes do sistema político, passemos aos partidos que se opõem de forma mais vigorosa, desde o primeiro dia da sua existência: o CDS e o PCP.
O CDS é o partido com assento parlamentar mais conservador. Este era o refúgio dos portugueses mais conservadores, mais ligados à Igreja Católica e, em certa medida, ao regime anterior – dos agrários que tinham medo da perda das suas propriedades no Processo Revolucionário em Curso (PREC).
Atualmente, não se pode dizer que seja assim. Bem pelo contrário. O CDS tem convergido cada vez mais com o PSD, resultando isto numa aproximação do CDS ao centro, tendo deixado cair objeções políticas ligadas ao euroceticismo, bem como uma aproximação do PSD a uma direita mais radical, especialmente em termos económicos. Talvez seja por isso que temos assistido, nos últimos anos, à formação de coligações entre os dois partidos mais bem sucedidas (pelo menos no papel) do que a distante Aliança Democrática (AD), coligação formada pelo PSD, CDS e PPM.
Agora devem estar a pensar: o mesmo deve ter acontecido com o PS e o PCP. É o mesmo desenho, mas à esquerda. Errado! As relações entre estes dois partidos são bem mais complicadas. Em 1975, os dois partidos divergiram no rumo que o país devia tomar. Por um lado, tínhamos o PS que defendia uma democracia liberal ao estilo europeu, como em França, Reino Unido, ou Alemanha. Por outro, o PCP, com o apoio de parte do Movimento das Forças Armadas (MFA), que defendia uma ‘democracia popular’ que, em termos reais, e isto afirmava o PS, era uma cópia do modelo soviético ‘tutelada por Moscovo.’
Desde esse Verão Quente, a esquerda fraturou-se: por um lado tínhamos as autoproclamadas forças democráticas (PS com o apoio dos partidos da direita parlamentar) e, por outro, as também autoproclamadas forças populares (PCP com apoio substantivo do MFA). Foi aí que o socialismo do PS foi definitivamente para a gaveta e que possíveis relações no futuro entre o PS e PCP se tornaram ínfimas.
A esta amálgama, podemos juntar um partido historicamente algo anormal: o Bloco de Esquerda (BE), que é a sucessão dos antigos movimentos como a União Democrática Popular (UDP), que já teve assento parlamentar, e o Partido Socialista Revolucionário (PSR) – movimentos políticos que, dentro do comunismo, se opõem (quase se matam, pelo menos era esta a regra no passado): estalinistas e trotskistas.
Visto tudo isto, há, no nosso atual Parlamento, duas forças políticas sempre prontas a governar, PS e PSD; um partido que pode servir de ‘charneira’ ao PS e PSD para fazer governo, o CDS; e o PCP e o BE, que sobrevivem como partidos antissistema.
Segundo as sondagens, a 4 de Outubro deste ano podem juntar-se a estes cinco partidos outros dois: o LIVRE/TDA, de Rui Tavares e Ana Drago, que se identifica como estando no “meio da esquerda”, e o PDR, de Marinho e Pinto, sem posição política ainda estritamente definida.
Pronto, vamos lá concluir. Já vimos que há um ‘arco da governação’, em que se ‘fazem’ consensos. Atualmente em Portugal há dois partidos que fazem oposição ao (feroz) estilo britânico: o PCP e BE, ainda que de forma não muito construtiva. O PS e o PSD, quando estão na oposição, não se conseguem opor de forma vigorosa às políticas propostas por aquele que governa. A semelhança ideológica poderia, à primeira vista, significar que um consenso nacional para um plano a longo prazo estaria muito próximo. A falta de rigidez ideológica nos partidos de governo até é boa, no meu ponto de vista. Quando se está no Governo tem de se ser pragmático, isto é, encontrar as soluções que funcionam e não as que a ortodoxia ideológica nos diz para tomar.
Todavia, esta forma de se fazer política tem alheado as pessoas da vida política. As pessoas não conseguem distinguir o preto do branco. Não vendo as diferenças, perdem rapidamente o interesse na política e a única coisa que se ouve é: ‘são todos iguais.’