Ultimamente fomos confrontados por imagens de uma multidão que, de forma despersonalizada, apelidamos de migrantes. Aparentemente são perigosos e estão armados por granadas fornecidas pelas tropas bielorussas. Mas mandam pedras e paus em vez de explosivos…
A imprensa em Portugal não fala muito sobre estas pessoas. Apenas sobre o apelo do pequeno Taman que quer ser ajudado por Cristiano Ronaldo ou assistir a um jogo dele. No fim do dia, nesta sociedade da felicidade eterna e imaculada das aparências não entram os rostos do sofrimento marcados pelo medo, perseguição ou pela guerra.
Vemos uma União Europeia zelosa das suas fronteiras ao ponto de apoiar a construção de um muro que demarque fisicamente a Bielorrússia da Polónia (podemos ler União Europeia). Também já vimos no passado os líderes europeus condenarem veementemente a política de construção de colunatos e muros em território palestino. Vimos a indignação entre os países europeus contra a construção de um muro entre os Estados Unidos da América e o México. Aquela fronteira física que delimita até onde pode ir o sonho por uma vida melhor.
Ainda assim, no que toca às nossas fronteiras encurralamos pessoas indefesas. O seu único crime foi almejar uma vida diferente. Uma vida onde pudessem estar de forma segura e sem medo em suas casas. Neste tabuleiro geopolítico entre dois mundos são os mesmos que tombam, qual peões que se sacrificam sem piedade. Mas está tudo bem. A União Europeia continua a resgatar migrantes no Mediterrâneo.
Argumentam que são um instrumento para desestabilizar a União Europeia. Sim aquela instituição que coloca a dignidade da vida e da pessoa humana acima de qualquer interesse. Aquela que defende um mundo em que não exista discriminação e, mesmo assim, incentiva aos países da periferia da União para que acolham os migrantes, tal como Turquia ou Ucrânia a troco de uns milhares de milhões de euros.
Se isto é ser Europa, eu tenho vergonha de dizer que sou europeu. Vergonha pela dualidade de valores que guiam as instituições europeias; vergonha por ver erguerem-se muros onde já tantas pessoas migraram para fugir da guerra europeia de que tanto falamos e recordamos para não mais repetir.
Dizemos tantas vezes, como um selo de veracidade intelectual, que a História se repete. Marx dizia que esta repetição tinha dois momentos: o primeiro como tragédia e o segundo como farsa. Hoje vemos nas fronteiras a tragédia humana e a farsa dos políticos.
É mais fácil criticar os muros dos outros e esquecer os que se levantam entre nós. Mais do que apelidar de forma descaraterizada como migrantes, falamos concretamente de crianças, jovens, mulheres e homens que procuram um pouco de paz neste continente onde se apregoa a dignidade humana acima de tudo.
Podem passar mais pessoas pelas fronteiras como nos querem fazer crer pela comunicação social? Podem, e quando éramos nós que fugíamos, o que dizemos que era injusto?