No final dos anos 60, um dos criadores da banda desenhada “Astérix” fez três pranchas que mostravam a famosa personagem gaulesa como nunca antes tinha sido vista. Nelas, encontramos cinco versões de tudo o que as suas aventuras nunca chegaram a ser: conversas telegráficas, respostas às meditações de Descartes, uma apologia ao feminismo, uma abordagem tecnológica e um enredo preso ao espaço sideral. De onde veio a inspiração para tudo isto? Alegadamente dos comentários de leitores, críticos e revistas especializadas.
A capacidade de variar entre estilos gráficos, demonstrada por Albert Uderzo na experiência, merece um enorme aplauso, claro. Mas é com grande alívio que os fãs veem essas versões como um momento isolado de paródia: se há algo que esta experiência conseguiu foi enaltecer os traços que nos habituámos a ver nas pranchas de Astérix.
O sarcasmo inerente ao caso recorda-nos a moral da história “O velho, o rapaz e o burro”: cada cabeça, sua sentença; ou é impossível agradar a gregos e a troianos. E os criadores de conteúdos conhecem muito bem esta realidade.
Por vezes, o grande do desafio do trabalho não é responder aos exigentes critérios de autossuperação: a pressão de pares é um importante estímulo à excelência, mas também uma força castradora em relação ao que se vai comunicar e como se vai comunicar. Já para não falar da eterna corrida ao lado do que já foi feito e daquilo que é muito parecido com o que se pensou fazer. E quanto ao público? Bem, o público tem sempre uma palavra a dizer e muito do que se diz gira em torno dessa força de engrenagem, sem a qual os criadores nada valem.
Mas será que este jogo de forças não é um limitador da pluralidade de discursos? Será que fazendo o que os outros consideram ser aceitável que façamos não estamos a entrar num ciclo vicioso de pensamento? Pensemos nisto: se as aventuras de “Astérix” acontecessem no espaço sideral, como alguns desejaram, não teria sido tão surpreendente o álbum em que os gauleses contactam com extraterrestres. O mais provável seria essa publicação, intitulada “O céu cai-lhe em cima da cabeça”, nem existir.
Quando o debate é transportado para o mundo dos artigos de opinião, verificamos que abundam, na Internet, listas sobre como agradar o público, palavras a evitar ou estratégias para criar títulos apelativos. E não nego a importância de tudo isto, como forma de aumentar a eficácia do trabalho de bloggers e comentadores. Contudo, a riqueza da comunicação está na apresentação de abordagens diferentes para um mesmo tema. Perante esta realidade, o desafio está lançado: criar conteúdos que interessem verdadeiramente aos criadores, enquanto se respeitam as regras de funcionamento da rede.
Se os conteúdos não refletem a ideologia dos seus criadores, isso nota-se. Se as criações são castradas logo no pensamento de que podem receber certos comentários, o debate fica empobrecido. Joana Espadinha resume tudo isto de forma exímia na canção “O material tem sempre razão”: os criadores podem fazer tudo o que quiserem para agradar o público mas, se não forem sinceros, a máquina vai desmascará-los. Sem piedade.