Caixa do Correio

Já não consegue disfarçar a angústia de uma espera tão prolongada. Ainda que sendo normal a espera, ele não tinha conseguido preparar-se mentalmente para que a resposta ao seu desejo demorasse o tempo que já sabia que ia demorar.

Todos os dias da semana abre a porta de casa, sai e dá uma dúzia de passos que colocam no seu ouvido a melodia da marcha fúnebre. Abre a velha caixa do correio. Um pau de madeira apodrecida que grita gloriosas vitórias por se manter hirto e capaz de suportar a velha caixa do correio ainda mais martirizada por violentos golpes do tempo que a pintou de laranja ferrugem. Ele abre a tampa e a caixa cumprimenta-o com um pesado chiar. Ele responde com um sinal de desilusão após encontrar o interior oco e escuro.

Regressa para casa e senta-se. Emaranha-se na sua desilusão atirando-se para o sofá com uma sensação inquietante por não saber o que é pior: se a resposta que ainda não chegou, ou se o saber que tem de esperar mais um dia. O carteiro irá regressar em pouco menos de 24 horas. Mas o que fazer até lá? Não tinha resposta e apenas deixou-se ficar prostrado a olhar o relógio que numa hora apenas avançava vinte minutos.

Um novo dia acorda-o a banalidade. Sabe de antemão que este seria mais um dia igual aos últimos que passara. As rotinas sucedem-se e distracção ocasional consegue-a inconscientemente quando se desliga para pensar em algo novo que o distraia. Chega a hora. Mais ou menos atrasada, que ela chega é a única certeza que ele tem. Avança devagar para a caixa do correio e de novo é ferido pelo silêncio escuro do seu interior inútil.

O sofá é de novo um leito de amargura. Nesta infelicidade sorri. Sorri porque sabe que cada dia que passa e nada chega à caixa do correio, fica mais perto do dia em que a vai encontrar com algo que deseja no seu interior. Imagina-se nesse momento. Prevê-o e idealiza-o. Percebe finalmente a razão porque deixou despida a parede branca que mira. Durante anos olhou-a, sentiu-a despida e nada fez. Afinal deixara-a assim para se ver num futuro próximo em imagens que projecta directamente do âmago da sua mente. Em rápidos segundos, cria uma utopia efémera demais. Reforça-se na criatividade e faz nascer a mais bela obra de arte que já viu, e que nunca mais voltará a ver. Tenta mas mais não cria do que uma pilha de rascunhos que se vai acumulando paulatinamente à velocidade das ideias novas que coloca em cada imagem. E falha sempre. Há sempre algo que surge diferente e recomeça e de novo algo varia. Frustração que o empurra para o sono, sabotando o seu pensar com eficácia.

Novos pássaros ensaiam cânticos. Olha-os enquanto se aproxima da caixa do correio mais uma vez. Tocou-lhe a textura rugosa da superfície enferrujada. Num golpe de ânsia muito ensaiado nos últimos dias abre a tampa e espera o ranger das dobradiças. No lugar do escuro, descobre um grito de vida e uma luz que o encandeia. Vira a cara num gesto para se proteger. Coloca a mão no seu interior e sentiu algo. Uma frescura que canta a vida, um convite apaixonante. Entrega-se. Olha o interior da caixa do correio e salta para um mundo desconhecido de prados verdejantes, sol confessor, águas transparentes de rios indecisos que nunca mais chegam ao mar. As finas nuvens que observa são de algodão, a música é a natureza, o sonho é a carta que tem na mão.

Segura-a com força e abre-a. Lê uma vez, depois outra e sorri. Lê mais uma vez e grita vitória. Chegou a notícia que esperava e o sonho materializa-se. A oportunidade que almejou aí está, na caixa do correio.

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