“California was doing great on climate change until Aliso gas leak”. Este é o título de uma reportagem do L.A. Times de 27 de Janeiro. Sim, é verdade. A Califórnia graças a um bom número de medidas “verdes” assim como a predominância das indústrias tecnológica e do entretenimento, conseguiu atingir a ambiciosa meta de redução de gazes com efeito de estufa. Segunda os últimos dados disponíveis, em 2013 a redução ultrapassou os 1,5 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa, mais ou menos o equivalente às emissões de 500 mil carros durante um ano. É de se reconhecer o mérito.
Até que…
Vamos por partes. Porter Ranch é uma típica localidade suburbana de Los Angeles com as suas moradias e a pacatez que se tende a confundir com aborrecimento. Situa-se a cerca de 55 quilómetros a noroeste do centro de Los Angeles e cerca de 30 dos famosos estúdios da Universal. É um dormitório, portanto, atendendo à escala urbana dos americanos e de Los Angeles em particular. Sobranceiro à comunidade situa-se Aliso Canyon, local rico em gás natural. Começou a ser explorado em 1938 e hoje é o maior conjunto de reservatórios naturais de gás a oeste do Mississipi. Pertencem à Southern California Gas Company, a SoCalGas. O SS25 é um dos poços. Deixou de ser explorado em 1972, permanecendo deste então como mero reservatório, sem manutenção, a descansar a 2670 metros de profundidade.

Em 23 de Outubro sofreu uma fuga. Perdoem-me mas não vou entrar em pormenores técnicos sobre a fuga em si. A população de Porter Ranch começou nos dias seguintes a sentir um forte cheiro a gás. Foram feitas inspecções casa a casa, dando o OK quanto à segurança. Apenas em 28 desse mês, cinco dias depois, a companhia assumiu a fuga.
O assunto foi permanecendo mais ou menos esquecido. Em Dezembro chamou definitivamente a atenção quando parte da população de Porter Ranch já se queixava de náuseas, tonturas e hemorragias nasais. Começaram os realojamentos que se massificaram quando o Department of Public Health (departamento de saúde pública) obrigou a SoCalGas a pagar todas os custos dos realojamentos que incidiram sobre cerca de 6 500 habitantes.
O desastre ambiental só se tornou assunto nacional (e internacional) quando a 6 de Janeiro o governador da Califórnia, Jerry Brown, decretou o estado de emergência no local.
Percebe-se por que foi bastante tarde que este desastre se tornou tema. Por maior que fosse a fuga, o gás natural é essencialmente composto por metano, segundo maior responsável pelo efeito de estufa que alimenta o aquecimento global, depois do dióxido de carbono. É invisível e os seus maiores efeitos produzem-se na atmosfera. Por isso, ao contrário de uma maré negra como a da plataforma petrolífera da BP no Golfo do México, ou as lamas tóxicas que destruíram o ecossistema do Rio Doce no Brasil, este desastre não produz qualquer efeito dramático. Apenas com as imagens captadas por câmaras de infravermelhos, já durante o mês de Janeiro, se conseguiu percepcionar a verdadeira dimensão da fuga.
Há poucos dias terminou a perfuração de um furo de alívio após dois meses e meio de um trabalho que se previa durar quatro meses. Por esse tubo conseguiu-se injectar no reservatório um fluido que permitiu estancar a fuga, num processo amplamente noticiado em 11 de Fevereiro, após 111 dias do seu começo. O próximo passo irá levar ao preenchimento total do reservatório com cimento. Ao mesmo tempo já se concretizou a colocação de estações de monitorização da qualidade do ar em Porter Ranch, tentando fazer regressar todos os afectados e restituir a vida à localidade.
Mas o quão grave foi esta fuga de gás?
Regressemos então aos méritos da redução das emissões de gases com efeito de estufa por parte da Califórnia. Lembram-se que estas emissões equivaliam às de 500 mil carros durante um ano? Pois bem, a quantidade de gás metano libertada pela fuga em Aliso Canyon corresponderam às emissões de 200 mil carros, por dia! Multiplique pelos 111 dias em que se manteve activa!
Medições de 28 de Novembro realizadas no poço com a fuga detectaram valores que chegavam perto das 60 toneladas de gás metano libertadas por hora, para um total estimado a grosso modo de 9 6000 toneladas. Outros números dizem que o gás perdido teria um valor de perto dos 15 milhões de dólares. A este número adiciona-se os quase 300 milhões que a SoCalGas gastou nos 111 dias da fuga para a conter. E terão ainda que responder pelos processos de realojamento, bem como pelas 67 acções interpostas em tribunal por moradores, grupos de moradores, pela cidade de Los Angeles, bem como por vários organismos ambientais e do estado.
Esta foi uma verdadeira catástrofe ambiental não dramática, sem efeitos visíveis, mas irreversíveis e extremamente danosos para a atmosfera do nosso planeta. Pelo menos a mim assusta ouvir especialistas ambientais a afirmar sem dúvidas que a pegada ecológica causada aqui é superior à dramática catástrofe que foi a explosão da plataforma petrolífera Deepwater Horizon em Abril de 2010, por exemplo. Que seja uma lição.