Pagan Days: Uma Ode à Desconstrução

Na Rua de Santo António à Estrela, o espaço da NO·NO Gallery foi o espaço escolhido para a apresentação da exposição multidisciplinar de Pedro Valdez Cardoso, intitulada Pagan Days. No espaço branco da galeria, foram expostas oito obras produzidas pelo artista entre 2022 e 2023.

Num primeiro olhar, a exposição parece ter sido concebida sob o signo da culpabilização das bruxas pelos males da humanidade, porém o uso da tenebrosa figura feminina conduz para uma desconstrução social que revela um forte caráter político e evoca uma atmosfera espiritual e religiosa, imbuída na essência pagã. Numa teatralidade rebelde, Pagan Days mergulha num tema que permeia toda a obra do artista: a busca pelo lugar de pertencimento do homem numa ecologia global através de uma abordagem poética sobre questões de identidade coletiva e cultural. O título da exposição representa também uma posição revoltosa que deriva do imaginário pagão, levando-nos a pensar nas bruxas como mulheres irreverentes, também elas em busca do seu lugar na sociedade. Assim, é possível compreender o papel do artista, também ele como agente de mudança no seio da comunidade.

Embora ligada por uma unidade conceitual, a exposição desdobra-se em três momentos distintos que se entrelaçam num intrincado jogo de significados no próprio espaço. Ao adentrarmos na galeria, somos subitamente envolvidos por uma sensação de nostalgia que se aguça e cresce à medida que avançamos em direção ao início das escadas, onde nos deparamos com a obra Into. Essa instalação é uma apropriação irónica do poema de Dylan Thomas, onde Pedro Valdez Cardoso utiliza a duplicação de elementos e a ideia de espelho para criar um efeito visual impressionante e perturbador, integrando estratégias de citação e deslocalização de significados. Um diálogo entre palavras e imagens, necessário à arte atual, onde tudo (ou quase tudo) existe já antes de ser pensado por cada um de nós individualmente ou pelo conjunto de um grupo social ou cultural.

Ao longo da exposição, temas como a morte, nostalgia e desfiguração são explorados de maneira bucólica e evocativa com uma sensibilidade particular para as questões de identidade coletiva e cultural, num convite à reflexão sobre a condição humana e a relação desta com o mundo que a circunda. Assim, a obra Pareidolia de 2022 possibilita uma abordagem interpretativa relevante para toda a exposição, enquanto desafia a busca por um significado definido, ao encorajar uma reflexão individual e pessoal sobre os temas apresentados. Sobre o trabalho do artista, João Pinharanda afirma que os temas vêm do real quotidiano contemporâneo, da história da arte procurando a desconstrução de estereótipos. Neste sentido, a utilização da estética feminina da bruxa, enfatiza esta relação da individualidade e do espaço coletivo, proporcionando uma perspetiva de aceitação da diferença. Dessa forma, imagina-se a arte como ferramenta e agente transformador da realidade, capaz de incitar a reflexão e a mudança.

Pagan Days é uma viagem delicada, onde cada obra é apresentada com uma subtileza e elegância que despertam curiosidade. A abordagem provocadoramente minimalista em relação à informação sobre as obras expostas pode ser vista também como uma forma de incentivar o público a explorar cada peça, sem interferências comerciais ou explicativas. Mais do que uma simples exposição de arte, Pedro Valdez Cardoso convida à reflexão e à contemplação, com o olhar posto na complexidade da condição humana e do seu lugar no mundo, numa ode à desconstrução de preconceitos, estereótipos, identidades e normas que limitem, de alguma forma, a liberdade e a expressão.

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