Os dias correm a uma velocidade alucinante. Os dias passam todos iguais, mecânicos, levantamo-nos e simplesmente executamos os rituais diários, quase sem consciência de que fizemos exactamente o mesmo ontem e faremos igual amanhã. Rotina. Rotina. Rotina. Desde o acto de ir à sanita, tomar duche, fazer o pequeno-almoço, não raramente sempre o mesmo, até os mesmos dizeres e os mesmos gritos aos filhos: “Levanta-te“; “Despacha-te“; “Veste-te”; “Olha-me esse cabelo“. Ordens de comando que vomitamos de forma mecanizada, quase sem expressão. Diariamente, os mesmos actos automatizados que nos fazem muitas vezes ficarmos na dúvida se apagámos uma luz ou desligámos o gás.
Toda a gente, sem excepção, sabe do que falo. Da tormenta de medir o tempo pelas férias escolares ou pelos feriados. Uns após outros, Ano Novo, Carnaval, Páscoa, Férias e Natal. Voltamos ao Ano Novo e recomeça tudo de novo. O novo ano lectivo, todos os anos, traz ajustes às rotinas, novos horários, nova sincronização familiar. Um leva, outro traz. O dia da natação, o dia do piano, o dia da explicação, o que seja. As rotinas reajustam-se e recomeça tudo de novo.
Esta é a nossa vida, à qual juntamos ainda as nossas obrigações profissionais que nos sufocam de objectivos e mais objectivos… O stress de querer fazer tudo, fazer bem e fazer depressa. E mais. Sempre mais. A competir por tudo. Pela posição, pela avaliação, pela aprovação de um chefe, que por sua vez precisa também competir e ter a aprovação de outros.
E vivemos assim, convencidos que somos felizes. E quebramos. Invariavelmente quebramos. Vamos sempre ao limite e, de tanto esticar, um dia parte.
No entanto, como se nada aprendêssemos com a nossa pobre vida tão cheia de coisa nenhuma, exigimos dos mais novos as mesmas coisas: urgência nos resultados, excelência nos resultados, educação à pressão!
Obrigamos os miúdos a decidirem por uma profissão, sem nos importarmos com as vocações ou com as paixões, mas obcecados com “as saídas profissionais”.
“Para teres um bom emprego e ganhares bem tens de ser o melhor.” Esforça-te, empenha-te, sangra, mas vem para casa com os melhores resultados.
E, assim, construímos o futuro: o futuro de crianças que nunca foram crianças, entaladas nas rotinas dos adultos e nas rotinas planeadas para elas próprias. Crianças que não sabem o que é uma frustração, que não sabem o que é aprender brincando com liberdade, não sabem o que é conquistar, brincar, nem sequer imaginar. Educamos as nossas crianças para serem autómatos formatados para os bons resultados e para o cumprimento dos objectivos.
Matamos nas crianças, logo de início, o direito a falhar, o direito a crescer, o direito a imaginar.
E, quem foge destes padrões, raramente é considerado bom educador. Pais que incentivam as crianças a descobrirem o mundo e a crescer ao seu ritmo são considerados maus pais.
É este o futuro que queremos?
Um mundo de robots de carne e osso, sem a capacidade de pensar e cada vez mais mecânicos?
Ou um mundo feito de pessoas empáticas, criativas e felizes? Um mundo onde cada um pode crescer ao seu próprio ritmo, aprender com os erros e semear o seu próprio futuro num mar de sonhos e possibilidades?
Um mundo onde a prioridade seja o bem-estar, a criatividade e a sã loucura de ser livre para realizar os sonhos mais lindos que alguma vez tivemos?
Talvez seja tarde para investir e inverter toda esta insanidade a que chamamos viver, mas aos poucos devemos incutir nos mais novos que viver é muito mais do que repetir rotinas.