Amor ou refúgio? O que será que muitas vezes procuramos no outro? O seu amor? Ou o refúgio de amor que apesar de não ser “aquele amor”, consideramos que é um bom refúgio? Como podemos amar alguém sem nos amarmos primeiramente a nós próprios?
E tantas – mesmo tantas – questões, que poderíamos continuar aqui e o texto seriam somente questões. E que bem elas nos fazem. Sem medo. Questionar para conseguirmos – serenamente – colocar tantas coisas no lugar.
Aquele “sim” que dissemos e que cá dentro a vontade era um “não” (bem redondo), mas que não saiu. Aquela vontade de ouvir uma (e existem tantas) palavra que nos dê aconchego e que o outro não nos dá e que nós guardamos bem cá dentro, talvez pensando que se não deu naquele dia, dará num outro qualquer. Mas não dá. E continuamos. No amor… Ou no refúgio…
Aquela data especial, que pensamos em comemorar como se não houvesse amanhã. E o amanhã existiu. A comemoração é que ficou esquecida, algures, na importância de um e na não importância do outro. E com alguma frequência ficamos a pensar nestas e noutras coisas. E refletimos. No silêncio. Para que ninguém nos ouça e não fiquemos expostos por pensar que talvez não seja amor. Ou será que é? E que se continuarmos mais um pouco nesta caminhada a coisa vai mudar e vamos deixar de refletir num silêncio que abafamos – da melhor maneira possível. E comparamos. Comparamos o outro. Comparamos os outros. Comparamos o que vemos, mas ninguém compara o silêncio de cada um. Porque nesse silêncio entra em cada um de nós. Somente para partilhar com nós próprios – muitas vezes – a nossa verdade. Aquilo que pensamos, que sentimos, que recordamos, que fica só com nós.
Depois do dia, vem a noite. E assim sucessivamente. E voltamos à nossa renúncia. À nossa vontade abafada que mantemos – para que tudo se mantenha, mas como? Como ficamos depois disto? Como continuamos esta caminhada que não nos permite SER? Como se dá cada passo – sem que pareça gigante – para que tudo se vá alinhando da melhor forma possível? Como ficamos depois de tanto silêncio – e de muitas lágrimas que o acompanham – para, ainda assim, considerarmos que talvez sejamos nós a estar errados e a dar demasiado valor a “coisas” que o outro não lhe dá a menor importância? E como é que mantemos relações sem afeto? Sem carinhos ou palavras que nos aconcheguem?
Atrevo-me a dizer que todos nós somos feitos da mesma matéria e que o aconchego nos é bem-vindo, seja ele demonstrado da forma que for, mas que assim o represente no seu melhor. Um gesto. Uma palavra. Uma frase. Muitas frases juntas ou muitos gestos juntos. E tanto que haveria para falar – escrever – sobre isto do aconchego que procuramos e precisamos. Basta pensarmos na nossa primeira reação com um bebé. Dar-lhe todo o aconchego possível… E por aí continuaríamos.
Contudo, como ficam relações feitas em que uma das partes vive a renunciar-se e não se permitir SER verdadeiramente? Acredito na tolerância e paciência para ver crescer o amor. Que precisa de ser plantado, cuidado e nutrido a cada dia. E talvez a linha que divide tolerância de renúncia seja bem ténue, mas ainda assim, essa linha existe. E existe o querer e poder fazer por onde, mas não existe a renuncia de cada um em prol do outro que perdure infinitamente no tempo. Isto irá manifestar-se seja de uma ou de outra forma. Do murro na mesa, ao corpo que manifesta o que a pessoa não permite. Ainda que o refúgio seja possível, não se compara com a verdade de um amor pleno e sincero.
A relação constrói-se na verdade de cada um. A “casa” ergue-se com cimento e tijolos dos dois. A começar pelo chão. Porque querer construir – ou tentar manter construída – uma casa pelo telhado, não é, de todo, possível. A qualquer momento a estrutura mostra a sua fragilidade e tudo caí. No tal silêncio que já não é mais possível aguentar. E aí perceberemos que o que fizemos somente pelo outro, foi tudo o que deveríamos ter feito por nós também. Construir-nos no melhor abrigo de nós, com todo o amor possível.