Estavam nus e sentados na cama sem olhar um para o outro

Estavam nus e sentados na cama sem olhar um para o outro. Havia um peso no quarto, nos lençóis, na pele. Sentiam-se dessincronizados, até quando pensavam no mesmo: no fardo das rugas, na inutilidade das certezas fictícias, no que tinham feito, sonhado, visto, andado para chegarem a ser quem eram naquele preciso segundo. E não sabiam se gostavam. Duvidavam se as camadas de vida tinham tapado a essência de quem eram ou construído exactamente quem tinham de ser.

Levantaram-se da cama sem olhar um para o outro. Não se sabiam olhar, tinham aprendido a ver e a sentir com palavras, a dar nomes e colocar tudo em caixas para ter algum significado. Esqueciam-se que nada tem sentido, que nem a felicidade nem a dor sabem andar em linha recta, que não dão as voltas certas dos relógios, que são por vezes montanhas, por vezes espirais, por vezes danças desnorteadas, que a dor e a felicidade não têm volume mas aumentam e diminuem e mudam e voltam atrás sem se desculpar.

Vestiram-se tremendo e sem olhar um para o outro. Transportavam dentro deles os gestos que nunca fizeram, que nunca fariam juntos, que talvez fizessem um dia, distraídos, sozinhos ou para outras pessoas. Transportavam também pensamentos que ainda não lhes tinham assombrado o peito, ilusões que ainda não sabiam tocar, palavras que nunca tinham atravessado a voz. À volta deles pairavam os outros: os gestos que tinham atirado de propósito para amar e para ferir; os pensamentos que povoavam o peito e o envenenavam; as palavras que não tinham conseguido engolir de novo, que nem sabiam que as iam soltar e já elas estavam no mundo, inevitáveis, colando-se ao futuro.

Abriram a porta para sair, sem olhar um para o outro. Era assim que o futuro se desmoronava? Havia uma tristeza profunda na indiferença e na derrota. Perguntavam-se para que servia a vida, como se fossem os únicos que engoliam em seco ao recordar que passamos mais tempo a não existir do que a existir. Na verdade, nem sabemos o que é o tempo, não entendemos o continuum que rege as nossas vidas, a dimensão impossível entre dois pensamentos, duas preces, dois sonhos. Talvez nem exista, talvez não haja diferença entre a última vez que se enrolaram em serpentinas quando eram crianças, a primeira vez que aproximaram devagar os dedos um do outro, e o momento em que tudo acabou e nunca mais se conseguiram voltar a olhar.

Saíram para lados opostos. O ruído dos sapatos na calçada a afastar-se. Dessincronizados, até quando pensavam no mesmo: que tinham ficado para sempre ali, nus e sentados na cama sem olhar um para o outro.

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