Vivemos em tempos interessantes. Estas palavras, repetidas por muitos, transmitem a sina de viver em tempos de enormes transformações, em que a mutação das realidades até então conhecidas irá certamente deixar uma marca na História.
No mês de abril, os cidadãos da Turquia foram convidados a demonstrar a sua opinião relativamente à proposta de alteração constitucional. O Presidente Erdoğan lidera a defesa do reforço do seu papel, no que diz respeito à dimensão do seu poder e à duração das suas funções.
Torna-se clara uma oposição entre o Presidencialismo, tal como é apresentado neste referendo, e a democraticidade na divisão de poderes e respeito pela delegação de competências por várias instituições. Esta concentração é contrastante com a Turquia pós-Roma, que revê no continente europeu uma oportunidade de desenvolver o seu Estado e lidera a carruagem de interesse na integração nas Comunidades Europeias.
Deixamos de olhar para a Turquia como o eterno candidato à adesão à União Europeia. Esta visão confirma-se, após a tentativa de golpe de Estado, no verão passado. A intenção de reforçar os poderes de Erdoğan ganha um novo ímpeto. Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, chega a falar sobre o olhar atento da UE sobre os desenvolvimentos no país e de que uma deriva afastada da esfera democrática terá de colocar as negociações de adesão em suspensão.
Foquemos, agora, as nossas atenções na diáspora turca presente nestes países. Igualmente convidada a expressar o seu voto, fica traçado um comportamento eleitoral que nos demonstra os diferentes níveis de integração das comunidades.
Bélgica, Países Baixos, França e Alemanha são os quatro países europeus onde se destaca um maior apoio à concentração de poderes na figura do Presidente da República. Por oposição, em Espanha e no Reino Unido, o apoio mais significativo dirige-se para o «não».
Daqui retiram-se duas rápidas conclusões: nos países onde as comunidades são mais significativas, maior é o nível de apoio a Erdoğan e nos mesmos países assiste-se a uma hostilidade crescente entre as comunidades dominantes e as comunidades turcas. Se pensarmos de forma mais aprofundada, podemos até entender que a tensão crescente pode ser motivadora da formalização de uma divisão de comunidades – expressa através do voto em referendo.
Num ano de rápidas alterações, muitas delas através da consulta pública, colocamos grande parte do caminho em causa: o comportamento de sucessivos governos, a condução elitista das políticas públicas e a própria fidelidade do processo eleitoral.
Vivemos tempos interessantes e o resultado da primeira ronda de eleições em França demonstram como estamos a jogar na roleta russa. É importante analisar o referendo turco, pois falar na Turquia tem sido sinónimo de voltar a pensar na ideia de Europa. Quando prometemos ficar atentos ao que se passa no país, será que temos consciência que o papel das barreiras que nos separam é cada vez menos significativo?