Como teria sido a vida daqueles com quem nos cruzámos se nós nunca tivéssemos existido?
A questão é de resposta impossível uma vez que, ao formulá-la, enveredaríamos por uma das infinitas possibilidades de realidades alternativas que poderiam ocorrer se o encadeamento de acções, reacções, decisões, interacções, pensamentos, sentimentos, lembranças e tudo o mais que influenciámos as vidas de quem nos rodeia nunca tivesse acontecido. A resposta cingir-se-ia assim a uma visão parcial e muito redutora da alternativa à nossa existência.
Contudo, a magia no cinema não se compadece com lógicas, ciências ou uma argumentação demasiado “terrena”. O cinema oferece-nos o sonho, a crença na beleza, por mais próxima ou distante que ela possa estar da realidade, e naquelas duas horas em que viajamos, depois de as luzes se apagarem e o projector nos despertar de novo para a magia da infância, podemos voltar a acreditar, enquanto não se volta a acender a beleza desta outra vida onde actuamos, que Do Céu Caiu (mesmo) Uma Estrela.
Se há filme que deu origem a todos os filmes do género “se eu não tivesse existido o que teria acontecido?” (ou “se eu tivesse virado à esquerda…” ou “se eu não me tivesse atrasado…“, etc…), Do Céu Caiu Uma Estrela é esse filme. Mas é tão mais do que isso. Clássico de Natal por excelência na América, o filme (de 1946) esteve próximo de se perder para sempre numa altura em que a preservação das cópias era algo relegado para segundo plano. A história: um hino a tudo o que o ser humano tem de bom. O título original, It’s a Wonderful Life, corrobora-o.
É um filme de Frank Capra, o realizador que melhor encarna o espírito do sonho americano. É um filme com James Stewart, o actor que melhor veste o fato dos valores da América. E se hoje o mundo não é mais a preto e branco e pede que actuemos num espectro de variações em que não há só bons e os maus mas toda uma riqueza de ingredientes que compõe cada ser humano, a diferença que fazemos na vida de quem está ao nosso lado, mesmo que não o saibamos, merece ser celebrada.
Ouvi falar pela primeira vez da história de George Bailey quando o então Primeiro-ministro António Guterres visitou o liceu onde estudei, no “dia D” (contra a droga) e, em resposta a uma pergunta provocadora por parte de um aluno que o colocou perante o dilema da liberdade individual como valor aceitável para podermos consumir o que quiséssemos, ele devolveu (apesar de hoje eu não concordar com tudo o que ele disse) algo que senti como bonito e me levou a ver o filme: “Nós nunca estamos sozinhos: as decisões que tomamos afectam sempre quem está à nossa volta. Há um filme…”
… cuja história começa no Céu… para um anjo “ganhar as asas” Deus incumbe-o de uma missão: salvar uma alma desesperada… George Bailey, numa situação difícil, deseja nunca ter existido… somos então convidados a conhecer a sua vida, uma vida normal, com sonhos grandiosos não concretizados… até ao dia… Clarence, o anjo, decide mostrar-lhe a alternativa… George nunca existiu… como teriam sido as vidas das pessoas que ele conheceu (ou que não conheceu uma vez que nunca houve um George Bailey)?
Por mais óbvia que seja a resposta, não deixo de querer sempre rever este filme. Mesmo agora, no alfa a caminho do Porto enquanto escrevo, fiquei com vontade de o ver novamente. Vejo excertos no youtube e só me apetece agradecer (não sei a quem, mas agradecer a oportunidade).
E é verdade que a vida é mesmo maravilhosa. Não deveria ser o cinema a lembrar-nos, mas também não vem mal ao mundo se, depois de vermos Do Céu Caiu Uma Estrela, sairmos com essa crença reforçada, um sorriso nos lábios e vontade de largar a correr pela rua numa noite de Natal ou outra qualquer, e gritar para quem nos quiser ouvir a saudação que entendermos. No final, é uma forma de celebrar a vida como outra qualquer.
“Strange, isn’t it? Each man’s life touches so many other lives. When he isn’t around he leaves an awful hole, doesn’t he?”