Os Pirahã são uma tribo amazónica de caçadores-colectores que vivem no Brasil. Estima-se que existam entre 230 e 420 indígenas que pertencem a esta tribo e que se destaca como particularidade o seu curioso idioma.
O linguista americano David Harrison documentou que cerca de 40% dos idiomas existentes no mundo estão em risco de extinção. Os Pirahãs falam o único idioma sobrevivente do grupo linguístico chamado Mura e acredita-se que possam estar em contagem decrescente para abandonarem a sua forma particular de falar e, portanto, a sua filosofia e forma de conceber o mundo.
A língua dos Pirahãs é um idioma sem números, sem verbos conjugados no futuro ou passado e sem frases subordinadas e foi estudada por um ex-missionário e linguista americano chamado Daniel Everett, que viveu com a tribo durante 25 anos. Inicialmente, Everett chegou à Amazónia para converter os Pirahãs ao cristianismo. Ele era ideal para tal missão, pois tinha formação teológica e também linguística, para desta forma poder traduzir textos católicos. Contudo, com o passar do tempo, ele percebeu que a conversão religiosa era equívoca e dedicou-se, como linguista, a estudar e entender a estranha língua desta tribo resultando em numerosos estudos, vários deles muito polémicos para o mundo académico.
Outros estudos realizados pela Universidade de Columbia (com o psicolinguista Peter Gordon) tentaram ensinar a esta tribo a contar até dez. O resultado: missão impossível. Os Pirahãs não precisam de números nem de nenhum raciocínio matemático nem para serem felizes, nem para entender o mundo. Por não existirem números, unicamente existem conceitos como pouco/pequeno e muito/grande, sendo que são incapazes de distinguir com exactidão um grupo de 4 objectos de outro de 5. Também não há diferenças entre singular e plural, sendo para eles impossível distinguir, por exemplo, “um peixe grande” de “muitos peixes pequenos” .
Contudo, a linguagem dos Pirahã não é primitiva, tem uma morfologia verbal extremamente complexa. A questão do tempo verbal nesta língua é muito curiosa. Sem verbos no passado, os Pirahãs não concebem como nós os seus próprios ancestrais. E sem verbos no futuro, não entendem, dentro da sua cosmologia, uma vida após a morte e, estranhamente, para uma tribo indígena, também não concebem a ideia de algum Deus. Eles acreditam que o agora é o todo e não percebem o mundo de forma abstracta.
Por carecerem de tempos verbais no passado, não existe uma memória histórica, ou seja, não há uma memória individual ou colectiva que siga mais de duas gerações. Este fato, juntamente com a característica de se tratar de uma língua não escrita e por ter estado durante bastante tempo isolada, faz com que pouco se saiba sobre a história deste idioma.
Outra curiosidade é que os Pirahã não têm a capacidade de formar frases unindo uma ideia à outra, ou seja, são capazes de dizer frases como “A canoa do Zé” e “o irmão do Zé”, mas não frases como “a canoa do irmão do Zé”. Também se observou que não existem palavras para as cores e nem conceitos diferenciados para as diferentes relações de parentesco, para além do conceito de irmão biológico
Para falarem entre eles, a tribo usa apenas oito consoantes e três vogais. Isto e todas as outras peculiaridades comentadas fazem com que seja o idioma mais simples e estranho entre os cerca de 6.000 idiomas já conhecidos no mundo.
Deve-se dizer também que a linguagem dos Pirahã é extremamente polémica e coloca em pé de guerra antropólogos e linguistas, pois, segundo a Teoria da Gramática Universal, afirma-se que todos os seres humanos possuem uma faculdade inata de linguagem independentemente do meio cultural, estando impressa nos circuitos cerebrais dos humanos pela evolução. A principal marca dessa faculdade é justamente a associação de frases e ideias, assim como a existência de um conceito de unidade numeral. Pelo que os Pirahãs, são uma excepção a esta teoria, o que significaria duas coisas: ou que os Pirahãs não são humanos, ou que a base sobre a qual se formaram inúmeras gerações de linguistas está errada. Everett aponta para a segunda hipótese.
Como muitas tribos, os Pirahãs tentam manter a sua cultura, após terem tido contacto pela primeira vez com o “homem branco”, em 1921, tarefa que não é nada fácil. Em 2011, o governo brasileiro instalou geradores eléctricos em algumas aldeias Pirahãs e, assim, rapidamente chegou a televisão. É provável que no choque que há com a língua portuguesa através da televisão, o idioma Pirahã e a forma de ver a vida desta tribo, estejam a caminho do cemitério.
Fotografia de Destaque – autor: Gabriel Bicho. Poderás ver o resto do trabalho “A Última Trincheira” no site do autor aqui.