– CAPITÃO, CAPITÃO!
– Que foi, Lucas? Tanta histeria porquê?
– O inimigo, capitão! O inimigo está a aproximar-se do estuário!
– Outra vez, Lucas? Vamos lá parar com isso.
– A sério, capitão, eu vejo-o lá ao fundo e está a vir nesta direção.
– Bom, vamos lá ver isso.
A serenidade do pequeno quartel da 8ª Bateria contrastava com a imponência dos seus canhões. Três animais de metal grosso e cano comprido apontado à foz do rio. Lá de baixo mal se viam, apenas sabendo que eles existiam se conhecia a ameaça. Lá no topo da serra, a aparente ameaça era mais uma promessa de um fim trágico.
No ar não se sentia o cheiro da pólvora antes o dos pinheiros que cercavam a 8ª Bateria. Não se ouviam ruídos metálicos nem cantares da guerra, antes o chilrear de pássaros a as harmonias de duetos seculares entre as árvores e o vento. Era a paz que ali se sentia.
– Veja, capitão! Lá no fundo. Está a vir na nossa direção.
– Pois está, Lucas!
– Que fazemos, capitão?
– ASSUMIR POSIÇÃO DE ATAQUE!
– SIM, MEU CAPITÃO!
Lucas corre desenfreado pelo meio das ervas altas. Escorrega na terra solta do caminho seco, mas não se dá à fraqueza de se queixar, logo se levanta e volta a correr. Lucas está num espírito de missão e nada o irá impedir de cumprir as ordens do seu capitão. Este fica parado a ver Lucas com um sorriso no canto da boca, minimamente assustado com o aproximar do navio.
– ABORTAR, LUCAS!
– A ABORTAR, CAPITÃO!
– É um navio civil, Lucas.
– Pois é, capitão.
– Vai entrar no estuário cheio de contentores para descarregar no porto.
– É enorme, capitão.
– Pois é, Lucas, pois é.
Apenas os dois ali no silêncio ficaram a observar o enorme navio carregado de contentores a entrar no estuário e aos poucos a desaparecer por detrás da encosta que escondia a cidade e o seu porto. Naquela serenidade sorriram e amaram. O rapaz e o pai, Lucas e o capitão. Uma brincadeira de guerra, uma simulação de algo que nem conheciam para além do que viam na televisão. Era triste ver aqueles três canhões abandonados a apodrecerem ao sol e ainda assim imponentes. Mas ainda bem que se podem deixar apodrecer. Porque ali como na vida não é guerra que importa, é um filho contente a brincar com pai.