De Políticos, nem bons ventos nem bons casamentos

Em 2015, a ThinkYoung, em parceria com a Burson-Marsteller e a Iniciativa Europe Decides, levou a cabo um inquérito que concluiu que 70% dos Portugueses, com idades compreendidas entre os 18-40 anos, não confiavam nos políticos do país. Subtraindo o período conturbado que Portugal atravessava há três anos, continua a ser um número exorbitante. Nas últimas 3 eleições, a abstenção esteve perto, ou ultrapassou mesmo os 50% (Autárquicas 2015 – 45,14%, Presidenciais 2016 – 52,34%, Autárquicas 2017 – 45,03%, segundo os dados oficiais do Ministério da Administração Interna.

Há 230 deputados em atividade na Assembleia da República. São 230 pessoas que deveriam, em tese e não obstante estarem associados a cores políticas, justificar um voto. Porque é que isso não acontece?

Começa pelo facto de a sociedade estar cada vez mais virada para o imediato. Parece descabido, mas note-se: com a implantação desta ideia nas mais diversas áreas da nossa vida, as pessoas perdem o interesse por aquilo que demora tempo a alcançar ou de onde não se consigam extrair consequências diretas. Se o resultado não está, logo, à vista, é porque é inconsequente. O voto é, portanto, inconsequente. Se assim é, que outras motivações sobram para se ir votar?

Por outro lado, é usual ouvir-se pelas ruas: “Eu voto em pessoas, não em partidos”. Parece incongruente: os partidos são pessoas. Parece, também, haver algo não palpável de maior proximidade e menor virtualidade na ideia de pessoa, em detrimento da ideia de partido. Sentimos mais empatia com alguém, quando nos sentimos identificados, e a verdade é que em termos de sobrevivência nem faz sentido confiar num ente, quase abstrato, que em nada se assemelha a nós. Não vemos os deputados como pessoas, mas como entes, de certo modo, fora e à margem da sociedade. Não encontramos neles uma identificação e o deputado não cria identidade com a pessoa que representa, porque há um desfasamento entre a sua realidade e o eleitor. Veremos porquê.

Em primeiro lugar, embora seja uma tendência que parece, felizmente, estar a alterar-se, os deputados não são bons nem para si mesmos. Não votam por si nem pela sua consciência, mas, muitas vezes, em obediência cega ao partido. Desumanizam-se, não se apegam às causas, tornam-se apenas um peso a favor ou contra uma lei. Votam, assim, em causas que nada lhes dizem, em nome e representação de quem essa causa diz muito. Não me digam que não existe um único deputado homossexual nos partidos de Direita. É que, em 2010, quando foi aprovado o casamento para pessoas do mesmo sexo, apenas seis pessoas do PSD se abstiveram (e nem foi votar a favor!) de votar. Todos os restantes votaram contra. A conclusão que se retira é uma de duas: ou os partidos de direita realmente estão isentos de deputados homossexuais (que, já agora, caso estejam na dúvida, não é verdade, veja-se o caso de Adolfo Mesquita Nunes, que já representava, na altura, o CDS-PP) ou os que são homossexuais e exercem votaram contra si mesmos e, pior ainda, contra pessoas que deviam representar. Primeiro, desfasamento entre a realidade do eleitor e o deputado.

Entramos no segundo desfasamento. Subir na vida custa a todos, a uns mais que outros. Ninguém gosta de esperar no trânsito e ver o dito “chico-esperto” que arranja uma maneira de passar à margem da estrada e depois se atira à última da hora para a faixa correta. Em política, a isto, dá-se o nome de juventudes partidárias, grupos com muito pouca transparência nos seus atos e que representam, por vezes, autênticas máfias políticas de atividade – e utilidade – duvidosa. É o caminho mais fácil. O indivíduo normal, pelo contrário, não tem este tipo de corta-matos para subir na carreira. Não se joga no mesmo campeonato nem muito menos com as mesmas regras.

Passemos ao terceiro. O comum dos mortais está à mercê da lei, no bom e no mau, a todo o tempo. Em geral, os políticos parecem escapar-se por entre as gotas de chuva no que toca a punições. Começamos pelo regime de imunidade parlamentar (art. 11º do Estatuto dos deputados) que, muito embora tenha o seu fundamento (pretende evitar perturbações ao funcionamento da Assembleia, motivo mais que legítimo), há momentos em que o proveito próprio e indevido desta norma é gritante. Mas este não é, a nível legal, o único problema. Todos os homens são iguais perante a lei, e isto é verdade, mas a lei não sobrevive sem provas e a questão fulcral reside aqui. Não é que os políticos, levantada a imunidade parlamentar, não possam vir a ser julgados, porque podem, mas, quando são trazidos à justiça, simplesmente não há provas, porque ter contactos nos sítios certos dá nisto: a justiça bem pode tentar, mas as provas desaparecem misteriosamente ou nem nunca existiram. Em resultado, temos processos de inquérito que duram dois, três anos, sem conclusão à vista (veja-se a Operação Marquês e quantos arguidos, efetivamente, viram processos de inquérito concluídos).

Finalmente, a quarta e última razão que para este desfasamento de realidades tem a ver com as regalias, quer a nível de ordenados e abonos (os mesmos deputados que votam contra um aumento dos salários ganham, no mínimo, 6 vezes mais do que esse salário – podem comprovar no site da Assembleia da República) quer a nível de hospitalidades e condições laborais (incluindo o facto de puderem faltar as vezes “necessárias”, desde que “justificadas”, enquanto o trabalhador comum é repreendido se tiver que faltar, porque tem o filho doente). Contas feitas, as condições não são as mesmas e nada tem que ver com a vida comum.

São 230 pessoas que poderiam justificar um voto, mas que não levam a votar, porque simplesmente há um fosso demasiado grande entre eleitor e eleito, tornando todo e qualquer candidato uma má aposta ou um tiro no escuro. E já que é para apostar em alguém, “do mal, o menos”, em bom português pessimista. Todos são maus, por isso, o voto vai para o menos mau. “Do mal, o menos”, dizemos. E assim se governa um país.

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