Voemos Sobre O Ninho de Cucos

A votação da qual a enfermeira Ratched fizera depender a visualização do jogo de baseball fora ganha por McMurphy. Por um voto, o jogo seria disponibilizado. Nunca paciente algum do sanatório enfrentara a dominadora Ratched como McMurphy e o pretexto de que a votação havia já sido encerrada nem a própria convenceu. Revoltado, ele senta-se em frente ao aparelho que permanecia vazio e, no momento em que, desalentado, se vê reflectido no visor, apropria-se da emoção do jogo que não podia ver e começa a relatar a ambicionada partida. Da estranheza à comunhão foi um instante, o instante que aqueles homens levaram para constatar serem merecedores de uma vida muito maior do que a que Ratched encerrava com o seu controlo. McMurphy ganhara a votação e o respeito afirmando-se.

O parágrafo resume aquela que é para mim umas das melhores cenas de todos os tempos. A luta nela retratada atravessa todo o filme e mostra-nos como uma vitória simbólica consegue ser tão ou mais eficiente do que a realidade.

Randle Patrick McMurphy, um delinquente reincidente, é internado numa instituição psiquiátrica para aferir da sua sanidade mental. Com o tempo, constata que Ratched, a enfermeira-chefe do sanatório, castra o direito à afirmação e a uma vida digna dos pacientes, aproveitando-se da sua posição para alimentar um poder que não lhe deveria pertencer.

O mal-estar que senti quando vi o filme pela primeira vez – devia ter uns quinze anos – confundiu-se com a incapacidade para entender o alcance da história, em particular do fim. O meu pai bem mo tentou explicar numa conversa sobre “dignidade” em que “era a única hipótese de…” (não digo de quê pois seria spoiler) mas sem sucesso. Lembro-me da Filipa, uma amiga e colega de turma que nessa noite viu o filme em nossa casa com os pais, repetir para a mãe “Mas isto assim não está certo”. Mas estava: dentro do errado, estava certo.

Um hino ao triunfo do espírito humano, à capacidade de afirmação, à luta por fazer valer aquilo em que acreditamos e, no limite, por fazer valer a própria vida, Voando Sobre Um Ninho de Cucos é um filme maravilhoso: uma história poderosa com interpretações a roçar a perfeição, personagens inesquecíveis e uma mensagem que me toca profundamente.

Revi-o duas ou três vezes, a última delas há uns anos na Cinemateca, numa cópia em péssimo estado que nem assim foi capaz de atenuar as lágrimas e os sorrisos que me invadem a cada visualização.

Foi o segundo filme da história do cinema a vencer os cinco principais óscares da Academia (só houve três a alcançar o feito) num tempo em que os óscares e a qualidade andavam de braço dado. E quão merecida foi essa distinção para um filme que continua a resistir “com facilidade” à passagem do tempo.

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