Quando o Futebol se transforma em “assunto de Estado”

O caso que aqui é trazido não foi muito abordado pelos meios de comunicação social de referência, mas causou um enorme impacto em Moçambique (país onde decorreu este episódio), de tal forma que foi alvo de intervenção pelo próprio Governo daquela nação africana.

Antes de mais deve-se referir que o principal protagonista deste acontecimento se chama Diamantino Miranda. Natural de Sarilhos Pequenos, no concelho da Moita (Setúbal), o antigo médio do Benfica (na década de 1980) fez toda a sua carreira em Portugal, tendo orientado clubes como o Campomaiorense, o Felgueiras, o Portimonense e o Varzim. Até que, no ano passado, decidiu ter a sua primeira experiência internacional e rumou à capital de Moçambique, Maputo, para treinar o Costa do Sol. As coisas nem pareciam estar a correr mal de todo, visto que o técnico luso, de 54 anos, levou a equipa a terminar em terceiro lugar na Moçambola, logo na primeira temporada.

Só que a presente época não estava a ser nada favorável. Em 16 encontros, a equipa de Diamantino Miranda venceu sete, empatou seis e perdeu três, o que a levou a atrasar-se na luta pelo título e a alojar-se numa modesta sexta posição. Neste contexto, a derrota (1-2) no terreno do Vilankulos Futebol Clube, a 28 de Setembro, foi a gota da água que desencadeou todo o episódio mediático, pelo menos em Moçambique.

diamantinomirandaIrritado com mais um desaire da sua equipa (ou, quiçá, com a arbitragem), o treinador português desentendeu-se com um jornalista e afirmou, em plena conferência de imprensa, que “Moçambique não é um país sério” e que todos lá “são ladrões”. Esta frase forte, dita no calor do pós-jogo, levou a que o Ministério do Trabalho interviesse e cancelasse a sua licença de trabalho no país. Em causa estão, de acordo com o organismo, a “falta de respeito, civismo e pelos valores consagrados na Constituição”.

O técnico ficou transtornado com a decisão e bem se tentou justificar: “Quero pedir desculpas pela interpretação mal feita que foi dada às minhas palavras a toda a gente e aos desportistas em geral, e, principalmente, àqueles que nada têm a ver com isso, ao povo moçambicano, que eu levo no coração”. Porém, de nada valeu. A decisão revelou ser irrevogável e o treinador teve de voltar para Portugal.

Não costumam ser recorrentes, ou pelos menos públicos, os casos semelhantes em que treinadores de futebol sejam recambiados, porque dizem frases menos felizes para com os cidadãos de um determinado país. Aliás, cá isso nem sequer acontece. Para já os treinadores não falam de assuntos que não sejam Futebol e, se tiverem de falar mal, criticar, ou “ofender”, fazem-no contra os árbitros, ou contra próprios colegas de profissão. Se tiverem de ser castigados, são-no pela Comissão Disciplinar da Liga, ou da Federação Portuguesa de Futebol e, salvas excepções, pelo Tribunal.

No campo governamental, os políticos só se metem neste desporto para acompanhar algum jogo importante, felicitar algum clube (ou a selecção), quando atingem algum feito, ou para apoiar financeiramente alguma equipa, sobretudo, num âmbito regional.

Em suma, o que se pretende mostrar com este caso é que, por pior que um jogo corra, por mais irritado que se possa estar (com um mau resultado, uma má exibição, ou a actuação de um árbitro), os treinadores devem ter muito cuidado com o que dizem. Não vale a pena perder o “posto de trabalho”, ou mesmo o direito a residir e trabalhar num país, por causa de uma frase infeliz, dita sem pensar, como consequência de um mau jogo.

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