A Europa foi ideia antes de ser geografia. A origem da palavra é discutível. Pode derivar do grego, contraindo “euros” (amplo) com “opsis” ou “optikos” (vista ou rosto), ou do semita “erebu”, que significa pôr do sol. Um simbolismo auspicioso de terra de amplos horizontes ou o lugar onde o dia termina e nascem novas esperanças.
Ao longo da História, assumiu a forma de impérios, de ditaduras, de fragmentos. Foi uma construção cultural, étnica e geograficamente difusa, em permanente tensão, devido à coexistência das suas múltiplas identidades. A sua história é uma narrativa plural, marcada por conquistas e tragédias.
Durante séculos, tentou construir-se um continente à custa de poder e força. Enquanto noutras partes do mundo, a emancipação política surgiu contra o colonialismo, na Europa, as nações ganharam forma no mapa contra os seus vizinhos territoriais, em conflitos que, muitas vezes, se alargavam a todo o continente, culminando em guerras mundiais. A distribuição geográfica das tragédias europeias é equânime. O tema dos limites continua atual. A ambiguidade das fronteiras revelou, desde cedo, uma civilização transgressora, inquieta e alérgica à contenção.
Essas guerras enformaram um continente que já foi considerado frágil e inconsistente, um “campo de matança”, nas palavras de Thomas Jefferson. No entanto, Voltaire considerava que a Europa vivia em conflito e queda, renascimento e abundância, um continente sempre capaz de se reerguer milagrosamente das guerras civis desastrosas, com a ajuda das artes e ciências.
Pela geografia, pelo clima, pelos avanços científicos, pela cultura, até ao início do século XX e à ascensão dos Estados Unidos da América, a Europa era uma metáfora geográfica para as melhores ideias e ideais. A partir daí, o modelo americano impõe-se, também, pela cultura pop. Os recursos culturais, científicos e civilizacionais da Europa têm sido destronados pela tecnologia e cultura popular norte-americana.
Contudo, o passado bélico e cultural construiu uma Europa de resistência, do pensamento e do duradouro, que se sobrepõe ao simples e efémero. Construímos a nossa moeda, mas também um espaço de mobilidade para os nossos cidadãos. Um legado de paz e democracia. Os europeus percebem que uma Europa apenas testemunho de conquistas monumentais é insuficiente. O continente não pode ser meramente palco de um passado glorioso. O desafio é trabalhar rumo ao futuro, reinventando uma Europa coletiva.
Hoje, vivemos duas realidades tão distintas quanto bizarras. Por um lado, a mobilidade dentro do continente intensifica os laços criados entre os europeus do pós-guerra. As deslocações em massa de soldados e refugiados nas duas grandes guerras do século XX fazem-se agora de turismo, de intercâmbios internacionais, programas europeus de estudantes e investigadores, um desenvolvimento auspicioso de profícuas relações intereuropeias. Por outro lado, àquelas juntamos as movimentações associadas a novas guerras. Ressurgem fantasmas de divisões que julgávamos ter superado.
As crises do presente deixaram claro que o futuro exige mudanças substanciais à Europa do passado. As guerras e, sobretudo, as derrotas são momentos de reflexão. Nós, europeus, deveríamos conseguir extrair uma paz mais sólida e duradoura do nosso doloroso passado. Já nos sacrificámos demasiado em nome da religião e da ideologia. A Europa arrisca a autodestruição, caso abra as portas ao facilitismo, ao oportunismo e ao populismo que ameaçam os seus valores fundamentais.
No entanto, a Europa tem ainda a possibilidade de se afirmar como um lugar de paz e prosperidade duradouras. Nas últimas sete décadas, a maior parte do continente tem vivido o seu período mais longo e estável. Se sair vitoriosa na arena do progresso e da paz, tornar-se-á num projeto valioso para toda a humanidade.
O futuro da Europa permanece entre as maiores esperanças de um mundo que continua a enfrentar a perversidade do poder e as dificuldades da diferença. A Europa é tanto um continente como uma ideia e uma cultura. Há elementos históricos, emocionais, culturais e psicológicos que lhe oferecem coerência única, força intelectual que poderá determinar o seu futuro no palco global.
A Europa mantém a sua capacidade de resistir, de se reinventar e florescer. Dependerá da vontade coletiva dos seus povos não abdicar do sonho europeu: um espaço de paz, progresso e união.
Este artigo foi escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico.
Texto fantástico!