A Quantic Dream volta a apostar no drama interactivo, em linha com os dois grandes impulsionadores do género: Fahrenheit e Heavy Rain. Chegou aos escaparates há não mais de uma semana, assegurando entretenimento intimista na obscuridade de um guião envolvente. Essencialmente, Beyond: Two Souls promete cinematografia.
Por oposição ao predecessor, Beyond circunscreve-se a uma heroína apenas. Não significa isto que a história seja menos intrincada, pelo contrário, desenrola-se de forma difusa, provocando alguma desorientação, por vezes até desconexão. Transversal é mesmo a beleza técnica, o ambiente envolvente e a perfeição de personagens construídas com impressionante atenção ao detalhe físico e à imperfeição humana da mente.
A história de Beyond: Two Souls pertence a Jodie Holmes, a trágico-heroína que vamos acompanhando, através de uma linha temporal quebrada em momentos chave. Ora a vemos menina, para depois a manipularmos enquanto adolescente, passando por jovem adulta, voltando novamente a episódios da infância. Este levantar do véu, de forma controlada numa lógica de vai-e-vem, produz dois efeitos paradoxais: suspense, aguçando a curiosidade, ao mesmo tempo permitindo entrelaçar acção com momentos mais introspectivos, contribuindo, contudo, para uma inegável sensação de perda de momentum.
Se, ao apreciar as feições de Jodie, ocorrer uma reminiscência à incontornável Ellie de The Last of Us, é meramente uma coincidência, muito discutida sem dúvida, mas nada mais do que um mero acaso. Ellen Paige, a Ariadne do filme de culto Inception, empresta o talento à heroína atormentada por um não-personagem, Aiden, uma força a ela interligada, que provoca o caos em seu torno e a transforma numa potencial ameaça sobrenatural. Contracenando com Willem Dafoe, outro nome sonante de Hollywood, Jodie é toda ela íman, porquanto rapidamente se torna num foco incrivelmente potenciador de compaixão.
Para a jogabilidade, a produtora Quantic Dream não dá mostras de cartas na manga. É possível contar com os quick-time events, a que já nos habituaram Heavy Rain e Fahrenheit, bem como com inúmeras decisões ao longo de toda a trama. A possibilidade de escolha perante uma circunstância é, mais uma vez, um aspeto potencialmente genial preterido para uma característica nada mais que frustrante. Independentemente das escolhas feitas, o resultado permanecerá inalterado. Ter consciência disto mesmo, enquanto se define uma reação de Jodie, leva a que a envolvência fique apenas por metade: em vez de jogadores com poder interactivo, fica a desapontante sensação de que somos apenas meros espectadores.
Transferindo o ónus da heroína para Aiden, a misteriosa entidade conluiada com Jodie, é incontestável que a sua irreverência se destaca como um dos aspectos mais bem conseguidos de Beyond: Two Souls. Divertido no controlo e para o perder, Aiden é bem-vindo como metáfora que representa, transformando esta experiência numa inequivocamente única aventura. Embora por vezes frustrante, Beyond é electrizante e emotivo, sem dúvida um título a descobrir.