As Paixões Telúricas do Planeta Azul

 

Uma característica comum a todos os sistemas é a de tenderem a passar de estádios de maior instabilidade para outros mais estáveis e dotados da menor energia possível. E tal sucede desde o átomo até ao universo como um todo. Esta tarefa tem como responsável uma entidade chamada força, fenómeno que surge sempre que dois sistemas estão em desequilíbrio energético, como forma de restabelecer o equilíbrio.

Observa-se esse comportamento na criação e implosão das estrelas, no decaimento radioactivo dos isótopos que sucessivamente se transformam em outros com menor radiação, nas reações de oxidação-redução química que ocorrem nas pilhas eléctricas, nos ventos que se deslocam das altas para as baixas pressões, nas ondas do mar que se carregam de energia impulsionadas pelo vento e a libertam ao embater na areia da praia, nos vulcões que do interior da Terra expelem lava até que a pressão que lhes deu origem diminua e, obviamente, nos terramotos que mais não são do que vibrações repentinas e temporárias de grande magnitude, que acontecem em resultado de uma súbita libertação de energia na crosta do planeta.

A natureza em todas as suas manifestações procede da instabilidade para a estabilidade, com a consequente redução de energia. Tal acontece com os seres vivos que encontram na morte o seu estado de maior estabilidade e energia mínima. E o que será afinal a paixão, aquela força que une pessoas, senão um terramoto emocional de magnitude incrível, mediado pela química hormonal, que as catapulta de elevados estados de energia até outros de maior equilíbrio, através do qual novas vidas podem ser geradas?

Todas estas considerações vêem a propósito da abordagem aos terramotos que, sendo tantas vezes devastadores para a humanidade, não passam de meros ajustamentos da Terra, rumo a novos equilíbrios entre as diversas forças no seu interior.

A maioria dos sismos origina-se na fricção em zonas de contacto entre placas tectónicas ou em falhas geológicas entre blocos rochosos. Mas podem também ocorrer longe dos limites das placas, resultar de actividade vulcânica, de deslizamentos de terra, do colapso de cavernas ou de avalanches. Existem ainda os que são induzidos pela actividade humana, devido a explosões de minas, testes nucleares, ou à pressão da água das albufeiras em barragens.

As placas tectónicas que formam a crosta terrestre não estão paradas e encontram-se como que a boiar numa espécie de oceano de magma viscoso, onde os movimentos são muito lentos. Podem afastar-se, colidir, deslizar uma pela outra ou uma se afundar sob a outra. Com a aplicação destas forças, as rochas vão-se modificando até atingirem o seu ponto de elasticidade máxima, após o qual entram em ruptura e acontece uma libertação brusca da energia acumulada durante a deformação elástica, através de ondas sísmicas que se propagam pela superfície e interior da Terra.

O local da ruptura nos terramotos é o hipocentro. O epicentro é o ponto no solo directamente acima do hipocentro. Podem ser superficiais, intermédios e profundos. São registados por sismógrafos e a respectiva amplitude medida através de várias escalas, sendo a de Richter uma das mais conhecidas. Os maiores terramotos já registrados têm sido de magnitude ligeiramente superior a 9, apesar de não haver um limite para a intensidade de sismos. Em regra o grau de destruição é directamente proporcional ao aumento dos valores da escala e supõe-se que um terramoto de grau 12 poderia cindir a Terra ao meio.

Estima-se que cerca de 500 mil sismos ocorram a cada ano, dos quais cerca de 100 mil podem ser sentidos e destes apenas um reduzido número corresponde a terramotos de grande magnitude, os quais ocorrem a intervalos que variam entre 5 a 10 anos.

As mudanças na superfície geradas pelos grandes terramotos são radicais e duradouras tanto para a vida das pessoas como para o meio ambiente. Podem provocar abertura de falhas, tsunamis, deslizamentos de terra, mudanças no eixo e na rotação da Terra, além de elevados prejuízos económicos, financeiros e sociais, com a destruição de construções, perda de vidas, ferimentos, destruição de indústria, comércio, transportes e vias de comunicação, desemprego, escassez de bens, aumento da pobreza, migração de populações, proliferação de fome e doenças. O trauma psicológico que acarreta é doloroso e persistente.

Depois de caracterizar esta fonte de tanta desgraça humana resta ainda dizer que normalmente os sismos não são previsíveis e quando tal é possível, o intervalo de tempo que medeia entre a previsão e a ocorrência é tão diminuto que torna inviável qualquer medida com vista a mitigar potenciais danos. Que fazer então? Bem… ou as pessoas adaptam o seu modo de vida ou a selecção natural irá impor-se impedindo a sobrevivência das que o não fizerem. Claro que nunca será a Terra a mudar o seu comportamento para salvar a humanidade desta e de outras catástrofes naturais.

Lisboa está entre as primeiras cidades do mundo com edificação anti-sísmica. Foi uma opção escolhida para a sua reconstrução após o terramoto de 1755, que resiste até hoje. As fundações dos edifícios na baixa pombalina assentam em grelhas de troncos, sustidas por numerosas estacas de pinho verde enterradas no solo. Além desta inovação foi criada a gaiola pombalina, uma estrutura tridimensional de madeira que se incorporou nas paredes de alvenaria. A madeira, sendo deformável, tem uma elevada capacidade de resistência às forças de tracção e compressão dos terramotos.

O Japão tem das soluções mais avançadas em construção anti-sísmica, resultado de muitos anos de estudo e investimento na construção de infraestruturas contra sismos e tsunamis. Mas em zonas mais pobres como o Haiti este desafio é difícil pois envolve custos elevados. Torna-se então necessário despertar a criatividade para formas mais simples e económicas de se evitarem tragédias com avultadas perdas em materiais e vidas humanas.

E não basta discutir ou legislar apenas sobre normas de construção. São precisas soluções que evitem o colapso dos edifícios Para tal é necessário encontrar a combinação perfeita entre a resistência e a ductilidade do conjunto, para que o mesmo possa resistir a terramotos. Caso contrário, basta uma rachadura para provocar um desequilíbrio de forças capaz de fazer com que tudo desmorone.

Está demonstrado que o cimento tradicional não é o material mais indicado na engenharia anti-sísmica. Em estudos científicos recentes desenvolveu-se um cimento especial através de uma mistura de polímero e cinzas que lhe conferiu maior elasticidade e resistência.

Alguns arquitectos preconizam o uso de materiais alternativos como pneus velhos, madeira e bambu, na construção de moradias isoladas, para as proteger dos terramotos. Como são flexíveis, movem-se com as vibrações e voltam à posição original muito rapidamente, dissipando a energia.

Dependendo nomeadamente da dimensão das construções preconiza-se a busca da solução mais adequada, desde a cabal estrutura em aço até ao completo isolamento da base, apoiando os edifícios sobre elementos de borracha ou amortecedores, para dissipar completamente a energia causada pelo sismo, fazendo com que as vibrações não se transmitam pelo prédio e assim evitando o seu desmoronamento total ou parcial.

No catastrófico terramoto ocorrido em 2023 na Turquia, grandes hospitais construídos com moderna engenharia anti sísmica, usando o isolamento da base, mantiveram-se intactos e sem perturbações de funcionamento, no meio da completa destruição dos edifícios circundantes.

As comunidades precisam adaptar-se e apostar na transformação estrutural dos locais que frequentam e habitam, tornando-os cada vez mais espaços de vida inteligentes e resilientes, capazes de resistir a grandes terramotos e a deles recuperar rapidamente, com danos mínimos. E o que fazer então para caminhar nesse sentido?

Tendemos a considerar os grandes sismos como algo que apenas acontece aos outros, portanto com remotas possibilidades de nos afectar. Ao contrário das mudanças climáticas, cujos efeitos sentimos na pele quase todos os dias, os grandes terramotos importunam os portugueses em média uma vez a cada 250 anos. Torna-se mais difícil mobilizar a sociedade civil para este tipo de causas.

Sucede que já passaram 268 anos. Será isso suficiente para nos fazer despertar? Ou vamos ficar calmamente à espera do próximo? Na segunda hipótese, uma certeza poderemos ter: dezenas de milhares não ficarão cá para contar a história. Só não sabemos quando.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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