The Courage To Be Desliked é um incómodo livro de autoajuda lançado em 2013 e escrito pelos japoneses Ichiro Kishimi e Fumitake Koga. São duzentas páginas de um debate esquisito entre dois personagens: a juventude e um filósofo. Sim, leu bem: um debate esquisito entre a juventude e um filósofo. Um introspectivo diálogo sobre as fábricas de ansiedade e de medo que as pessoas têm construído para si próprias, nestas duas primeiras décadas do século XXI. Alerta: não é uma conversa sobre as causas do sofrimento humano. Antes, é uma reflexão sobre o propósito desse sofrimento.
É difícil de entender assim a seco, obviamente. Há por lá uma série de absurdos ditos pelo filósofo à juventude (para quem já vai ler o livro com uma associação de arrogâncias preconcebidas, como eu). Um dos disparates é, por exemplo, o de ele dizer que o trauma não existe. Ou melhor, que não é o trauma que sofremos num passado longínquo ou recente que condiciona a nossa felicidade presente (como dizia Freud). O que nos torna (in)felizes é o que nós mesmos decidimos fazer com tal trauma. Dito de outro modo: um abuso sexual por nós sofrido na infância, por exemplo, até pode ter um enorme impacto na formação da nossa personalidade, mas nada do que somos (ou podemos ser) no presente é determinado por essa experiência. Por conseguinte, a nossa vida será apenas o que nós decidirmos que ela seja, tenhamos sofrido seja lá o que for no passado. Se sofremos hoje por causa de um trauma passado é porque assim nos apetece viver. Não somos infelizes, porque fomos abusados, somos infelizes, porque aceitamos que o trauma consuma a nossa felicidade. Não sei ainda como assumo esse enunciado como um disparate e isso até nem é o mais importante agora.
A dado momento, o filósofo diz outra barbaridade. “As pessoas fabricam emoções”, assevera. Geralmente, apenas para mais facilmente atrair e controlar a atenção de alguém que, em condições normais de calma e ponderação, provavelmente também teria a nossa atenção. Portanto, para o filósofo, emoções (como a raiva, mais precisamente) são apenas acessórios ao nosso dispor para, de forma muito mais rápida, nos transformarmos no centro do mundo e nos fazermos ouvir como achamos que merecemos. Diz ele tudo isso para, mais adiante, fazer um apelo desconcertante à uma das características elementares da juventude – a emoção. O filósofo diz que temos de resistir à emoção. Remata ele que se nos deixarmos controlar por emoções muito provavelmente terminaremos niilistas. Fiquei estarrecido. Até agora estava assim: “não te mantenhas refém do passado e nem escravo das emoções, se quiseres ser feliz; cria os teus próprios propósitos de vida e os persiga, irredutivelmente”.
Respirei fundo, como a juventude do livro. Então, o primeiro passo para se ser feliz é querer ser feliz… Como? O cliché de sempre – “primeiro aprenda a gostar de ti mesmo” – é logo relegado para o canto pelo “podes até nem gostar de ti mesmo, mas tens mesmo de te aceitares como és para tentares (e conseguires) ser uma pessoa melhor” do filósofo. Algo do tipo “se te sentes infeliz porque és feio, o mais importante é o que fazes para ser feliz mesmo sendo feio”. Trabalha-te. Somos infelizes porque escolhemos ser infelizes. Não é uma questão de destino, mas de vontade. Ser (e permanecer) infeliz não nos beneficia em nada. O ponto de ruptura será, então, o de questionarmos as nossas disposições (e convicções) em relação ao mundo, escancarando as óbvias zonas de conforto que nos impedem sempre de (ousar) mudar. Para o filósofo, a regra de ouro para a felicidade da juventude passa a ser a seguinte: espatifar tudo aquilo que temos como adquirido e imutável no nosso (infeliz) estilo de vida. Mais radicalmente, a juventude pode até trocar a sua própria personalidade, se assim tiver de ser. Se a personalidade até agora adoptada (grandemente influenciada por factores como raça, nacionalidade, cultura ou classe) for fonte de infelicidade crónica, escolha outra! Porquê? Simplesmente porque, na actual personalidade (e estilo de vida, ou disposição para o mundo), tu já sabes que continuarias igual… Na outra, tu tens um mar de possibilidades ainda por explorar e, em infinita proporcionalidade, muito maior probabilidade de seres diferente.
Sim, é muito mais fácil e seguro não mudar. Nunca se sabe o que virá com a mudança, certamente. O futuro é imprevisível e incontrolável, comparado com o presente (ou com o nosso status quo), mas lá vem o filósofo a baralhar tudo, novamente: “mudanças geram ansiedade, mas não mudar traz desapontamento”. E desapontamento rima com infelicidade. Depois, não tarda muito até o filósofo propor uma psicologia da coragem como manual de sobrevivência da juventude destes tempos conturbados de hoje. Coragem de romper com pessoas tóxicas, coisas supérfluas e ideias fixas. Coragem de nos libertarmos de expectativas alheias e de não vivermos só no diâmetro gravitacional dos nossos próprios umbigos. Coragem de sermos outros.