A ti, Artista.

Se a mim me cantassem, não havia voz que o quisesse. Se me cantassem era sem voz. A anormalidade da minha existência não é condizente com melodia alguma. Coro que se preze manteria silêncio ao olhar-me. De coro a amas secas de meu velório vivo. Paz à sua alma, pensam. Verdade que é o dizer mais condizente com meu estado de alma atual, o melhor que lhe podem desejar. Agradeceria, se me fosse esta dádiva já dada em vida, que isto é o dizer mais capaz.

Enverga, o coro de vozes caladas, o preto.  Enlutados por uma alma viva onde se deseja paz, que melodias não lhe vestem nada. Jazo em vida na incompatibilidade de ser vida dentro da vida. Triste velório que nem suas santidades espreitam. Verdade que a deitar-me água benta ficava a ser água, só. Envergonhei meus sonhos. Esta dura constatação dá até vontade de tirar do corpo a vida (não fosse eu um corajoso de algibeira, nu) para que fosse isto uma tradicional vigília. Nem carpideira neste velório de vida aqui está. Nem valho eu a pena para pagarem tustos a quem me chore. Não vale a prestação do serviço à minha pessoa.

Paz à minha alma, disse. O coro que não me cantou, saiu. Não viram verdade no meu dizer. Artista não mente, quando se finge feliz, finge-se quando diz destas alarvidades (que cansado está ele de saber que alma de artista não padecerá nesta vida, nem nas outras, de paz na alma). Abençoado coro que soube retirar-se e limpar o ridículo da vista de me estar observando. Alfaiates que me alfinetem o espírito – que nenhum fato, de minha vida vivida, me assentou.

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