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A desumanização, de Valter Hugo Mãe

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Começo a falar neste livro com uma frase muito curiosa que encontrei no mesmo: “Os melhores livros inauguram expressões”. Para mim, os melhores livros inspiram e foi como me senti enquanto o li. Inspirada.

Acima de tudo, é um livro bonito. Não sei explicar de outra forma. É um livro lindo no seu todo, com uma qualquer beleza triste e melancólica, que nos acompanha, durante toda a leitura, e que permanece, quando pensamos nele. A história é bonita, mas não só. A história é bonita, simples, mas elaborada, e consegue manter-se em nós como real, embora talvez seja um real muito longínquo. O que contribui muito a esta beleza é a forma de escrever de Valter Hugo Mãe, que é absolutamente poética e encantadora.

Chamou-me a atenção a sinopse:

RM_addesumanizacaodevalterhugomae_destaque“«Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.»

Passado nos recônditos fiordes islandeses, este romance é a voz de uma menina diferente que nos conta o que sobra depois de perder a irmã gémea. Um livro de profunda delicadeza em que a disciplina da tristeza não impede uma certa redenção e o permanente assombro da beleza.”

Obviamente, não conseguiria resistir a um livro sobre uma menina que perde a irmã gémea, mas, quando comecei a ler, descobri muito mais do que a dor de Halldora e dos pais, por perder Sigridur. O texto, a história, a forma de escrever e descrever, o retrato do que nos fica, depois da perda, e de como cada um tem de aprender a lidar sozinho com esse pedaço de caos, tudo o que compõe o livro se transcende.

Em alguns pontos, confesso que me lembrou José Luís Peixoto. Na beleza das palavras e metáforas, na melancolia da história, nas frases que dizem tudo. Se calhar, olhando objectivamente, não têm nada a ver. Se calhar, sendo dois autores que escrevem de uma maneira tão bonita, seja natural para mim associá-los.

Confirmando a brincadeira que o autor fez com ele próprio, ao utilizar a frase que mencionei, é realmente um bom livro e inaugura expressões. Utiliza metáforas que nunca pensámos antes, elaboradas, delicadas, poéticas, deliciosas. Descobrimos neologismos muito próprios, mas que fazem todo o sentido, que são tão inventados, quanto reais. O livro está composto de imagens fascinantes, que nos arrepiam a pele. O autor escolheu palavras e frases que parecem pensadas até à exaustão, compostas, como se nunca fossem utilizadas duas palavras iguais e o autor tivesse escolhido o sinónimo mais bonito de que se lembrou.

Vale tanto, mas tanto a pena. Preparem-se, pois, como avisa o texto da contracapa, “é um livro de ver”.

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Rosa Machado
Curiosa e fascinada pelo que não compreende, bicho dos livros e criadora compulsiva de hipóteses mirabolantes. O tempo não existe quando há conversas filosóficas sobre nada, gargalhadas dos amigos, abraços a animais, viagens pelo mundo e todo o tipo de arte.

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