Julgaríamos e condenaríamos militares portugueses que comprovadamente tenham assassinado civis no massacre de Wiriyamu?
Foi a esta questão que me sobrou de Labirinto de Mentiras numa tarde de sábado em que optei por ver um filme sobre o nazismo, concretamente sobre a abertura, por parte de um procurador público de Frankfurt, em 1958, de uma investigação sobre o papel que muitos alemães desempenharam no regime nazi.
A tarefa revelava-se gigantesca tal era a dificuldade estava em encontrar uma família sem um membro afecto ao partido ou, pelo menos, que não tivesse praticado um qualquer acto vil.
O cinema alemão (aquele que vi) possui uma particularidade que me apraz, quando não quero correr o risco de ser defraudado: tal como noutras dimensões do povo germânico, o seu cinema é competente, organizado e seguro no que à estrutura diz respeito. Depois, posso questionar se o factor humano (mais latino e/ou anglo-saxónico) é suficiente para temperar tanta competência com a imprevisibilidade que o sentimento sempre acrescenta a uma obra de arte.
[A meio da visualização, aconteceu-me algo inaudito: percebi que já havia visto o filme, no cinema, e durante uma hora não me lembrara de nada… e então tudo voltou: a companhia, o lugar e o que debatemos depois. Curioso como um filme que na altura teve impacto na nossa percepção dos acontecimentos (pela conversa que originou) se tenha evaporado assim da minha memória!]
Em Labirinto de Mentiras, apesar do aviltante drama humano que lhe dá o mote, ao contrário de em A Revolução Silenciosa, o apport dramático não é totalmente conseguido. Não quer isto dizer que o filme não mereça crédito, pelo contrário: levanta uma interessante questão acerca da natureza da justiça, da vingança e da culpa.
A base argumentativa da defesa dos antigos nazis que, treze anos depois do término da guerra, tinham as suas vidas restabelecidas, como professores, padeiros ou advogados, era a de que cumpriam ordens numa era em que o país era nacional-socialista (<=> nazi). Ainda que tal seja verdade, será suficiente para os ilibar dos actos cometidos? A questão central do filme nem sequer é se o fizeram mas até que ponto uma investigação e subsequente absolvição ou condenação constitui um acto de justiça? E se poucas dúvidas restam para com aqueles que iam além das ordens que lhes eram transmitidas, agindo com sadismo por conta própria, para os restantes fico com a dúvida. E só reconheci esta dúvida quando a história sugere a quase obrigação da Alemanha julgar os seus (ainda que tenham estado em funções oficiais), e esta premissa me fez olhar para a História do meu próprio país: podemos não o admitir (não é agradável), mas houve massacres na Guerra Colonial, houve atrocidades cometidas em África… será que julgámos os nossos, ou pelo menos tentámos averiguar o que se passou próximo de Tete por exemplo, à semelhança do que pedimos ao povo alemão? E os “nossos” foram depois padeiros, professores ou advogados, tal como os alemães…
Todos os países têm os seus podres; colocarmo-nos na pele do outro pode ser doloroso e, se outro mérito este filme não teve, a questão que me suscitou a propósito do que exigimos aos outros versus o que não fazemos em casa valeu a reflexão. Afinal, umas quantas aldeias chacinadas em Moçambique eram tão inocentes como os judeus exterminados às mãos dos alemães, ainda que o “atenuante” de o primeiro ter sido cometido no calor da guerra e o segundo resultante de um frio planeamento não acomode tudo no espaço que reservo para as desculpas aceitáveis: no fim, ambos resultaram no assassinato propositado de inocentes.