“Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesma baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal”. Acredite ou não, esta frase pertence ao livro As Farpas, de 1872, da autoria de Eça de Queirós. Será esta apenas uma curiosa coincidência, ou um facto que deve conduzir a conclusões mais sérias e preocupantes?
Após Maio de 2011, altura em que foi assinado o memorando de entendimento entre o Governo português e a troika, formada pela Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu, esta frase levanta algumas questões pertinentes. Será que afinal Portugal está condenado a viver num ciclo permanente de crises económicas? Se assim for significa isso que os tremendos sacrifícios que todos os portugueses têm feito, nos últimos meses, serão em vão? Será esta política de austeridade a salvação de um país em risco de se afundar, ou apenas um salva-vidas que o manterá à superfície por mais algum tempo, mas sem garantias de salvação?
A verdade é que, nos últimos meses, Portugal vive num estado de crescente austeridade, resultado das medidas estabelecidas no memorando de entendimento, sendo particularmente activa na área da saúde.
Recorde-se algumas das principais medidas delineadas para esta área. Aumentos das taxas moderadoras e eliminação das isenções, pretensão que tanto a ADSE, como os sub-sistemas de saúde dos militares e das polícias deverão atingir a sustentabilidade financeira em 2016. Para tal, o memorando estabeleceu que o custo orçamental dos sub-sistemas de saúde devia sofrer um corte de 30%, em 2012, e 20%, em 2013. Em relação aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ficou assumido uma redução de 200 milhões de euros nos custos operacionais (100 milhões, em 2011, e 100 milhões, em 2012), graças à concentração e racionalização dos hospitais públicos. Para este ano, está previsto um corte adicional de cinco por cento nos custos operacionais, em resultado da continuação da reorganização da rede hospitalar e da concentração de unidades de saúde e serviços de urgência. Por outro lado, reduzir em pelo menos dez por cento a factura com horas extraordinárias dos profissionais de saúde, em 2012, e em mais dez por cento, em 2013 (em 2010, o gasto com horas extraordinárias rondou os 350 milhões de euros). A par de outras medidas, o memorando de entendimento que Portugal assinou com a troika prevê uma poupança na ordem dos 550 milhões de euros no sector da saúde. Porém, impõe-se a questão: será que este caminho irá conseguir consertar o estado da saúde pública na nação lusitana?
Pedro Pita Barros, economista de saúde, referiu num dos seus artigos um dos obstáculos que Portugal pode enfrentar a longo prazo. “Dado esse caminho claramente fixado, os primeiros tempos foram de concretização, mais ou menos rápida, mas dentro dos prazos estabelecidos, deste acordo, com uma única importante excepção. Essa excepção relevante foi o problema dos atrasos nos pagamentos. Não só não se conhece ainda a solução para saldar a dívida antiga, como não está claro qual o mecanismo que impedirá a repetição futura do problema. Se há problema fundamental a resolver no campo do Serviço Nacional de Saúde é este. Até porque os números mais recentes não deixam grande margem – ou se consegue criar forma de eliminar a propensão para criar dívidas, ou esperar que apenas o ambiente geral o faça não produzirá efeitos”, escreveu. Mais do que solucionar a dívida, é fundamental criar mecanismos que impeçam o SNS e o país por conseguinte de cair na mesma armadilha. Para Pedro Pita Barros é notório que nas “dependentes de iniciativa legislativa, o governo tem sido relativamente célere nos prazos. Onde se percebe menos o que está a fazer é nos aspectos mais de fundo: ganhar eficiência nos hospitais através de reorganização – o que é que isto significa? Qual vai ser o caminho?”. Parece não existir um plano a longo prazo para se evitar a mesma situação catastrófica do SNS no futuro. “Há restrições orçamentais num ano e negoceiam-se contratos-programa que financiam as unidades para cumprir, sem ter por base uma lógica de pensar no que vai acontecer aos hospitais, onde vão estar daqui a cinco anos. Falta um mapa de estradas para as medidas de fundo”, acrescenta.
Para o economista de saúde é fundamental que o Ministério da Saúde se mantenha focado na criação de mecanismos que impeçam a dívida crescente aos fornecedores pelas instituições do SNS, mas sem nunca colocar em causa a capacidade de gestão em reduzir a despesa sem alteração dos níveis de capacidade assistencial à população. Contudo, em 2013, a política volta a ser de cortes no sector da saúde. O Ministério da Saúde vai ter 8.344,3 milhões de euros, o que corresponde a uma redução de 17% face à estimativa de despesa para 2012, segundo a proposta de Orçamento de Estado para 2013. O documento indica que 7.801,10 milhões de euros vão para o Serviço Nacional de Saúde, que recebe, assim menos, 19,5% do que em 2012. Paulo Macedo, Ministro da Saúde, afirmou que o Orçamento de Estado para 2013 não é o desejável, mas “protege o sistema” e mantém a saúde como um pilar do Estado Social, acrescentando que houve uma “discriminação positiva” em termos orçamentais. No final do ano passado, Paulo Macedo insistiu que a sustentabilidade do SNS “ainda não está assegurada”, dizendo que a saúde entrará em 2013 com uma posição “mais equilibrada, depois do pagamento de quase dois milhões de euros de dívidas”. Deixando, ainda, antever que o défice dos hospitais terá um “valor muito mais baixo” em 2013, mas sem adiantar valores. De igual forma, não explicou como será liquidada o resto da dívida.
O problema reside precisamente neste ponto. Como liquidar a restante dívida do SNS e sair deste ciclo vicioso de dívida crescente? Antes de mais cortes na área da saúde, talvez seja conveniente ao Ministério da Saúde traçar um caminho que lhe permita resolver questões estruturantes do Serviço Nacional de Saúde a longo prazo, para que, finalmente, Portugal comece a caminhar em direcção à recuperação económica.