“O Sol também é uma Estrela” é um filme sobre o destino. É um filme que retrata a importância do destino na vida das pessoas, especialmente na esfera amorosa. Richard Linklater já tinha provado com “Antes do Amanhecer” que é possível apaixonar-se em um único dia de convívio, a partir de uma boa dose de charme.
“O Sol também é uma Estrela” acaba por entroncar nessa premissa: o encontro ocasionado pelo destino entre dois jovens com visões completamente opostas da vida que, no mesmo dia, se tornam cada vez mais próximos, marcando a vida do outro para sempre. É um filme sobre o destino e que acaba por nos levar a pensar nas seguintes questões: O destino somos nós que o fazemos ou já está traçado? Somos nós que o escolhemos ou ele já foi escolhido para nós? Somos nós que escolhemos o parceiro amoroso ou parceira amorosa ou o universo já escolheu por nós?
O amor é um universo.
A vida é feita de coincidências extraordinárias que escapam ao nosso poder racional. Muitas vezes um encontro com uma pessoa pode ser precedido poucos minutos antes de uma música que associamos a essa pessoa, podemos pensar nela e segundos depois aparecer ou pensar numa palavra e essa pessoa a proferir poucos segundos depois. São as chamadas sincronicidades que não conseguimos entender, mas que nos surpreendem muito.
No entanto, comecemos pela história. Natasha Kingsley (Yara Shahidi) é uma estudante jamaicana de astronomia que tem uma visão pragmática da vida. Não acredita na força do destino, nem numa força superior que rege o universo. É apologista da Ciência e que tudo é explicado à luz da Ciência. Vive com a sua família, mas depara-se com a infeliz possibilidade de serem deportados para a Jamaica, o seu país de origem. Para ela, isto seria um desastre, já que ela adora viver nos EUA e não gosta muito do estilo de vida vivido na Jamaica.
Daniel Bae (Charles Melton) é um recém-licenciado em Medicina, descendente de uma família sul-coreana, amante de poesia, que acredita na força do destino. Ele prepara-se para ir a uma entrevista de emprego para ser aceite como médico. A sua mãe diz-lhe que ser médico é uma missão que faz parte do seu destino e que ele nasceu para ser a honra da família, já que o seu irmão trabalha com o pai numa loja de Shampoos africanos, nunca tendo revelado, desde a sua infância, grande ambição profissional, ao contrário de Daniel.
Antes de sair de casa para ir a essa entrevista, Daniel escreve no seu caderno as palavras: DEUS EX MACHINA. Nesse mesmo dia, Natasha sai de casa para tentar evitar com um advogado a deportação para a Jamaica e veste um casaco que contém as palavras: DEUS EX MACHINA. Daniel vai de metro. Quando termina a viagem avista ao longe na estação uma rapariga com o casaco que contém as palavras: DEUS EX MACHINA. Decide ir atrás dela e quando ela está prestes a ser atropelada por um carro, Daniel salva-lhe a vida. A partir daí iniciam um debate filosófico sobre a existência.
Daniel diz-lhe que este encontro não aconteceu por acaso e que já estava pré-destinado. Natasha responde que tal não é verdade e que a prova de que não ficarão juntos é que ela será deportada para a Jamaica com a sua restante família no dia seguinte. Daniel diz-lhe para não se preocupar que tudo irá correr bem e para confiar na força do destino. Nesse dia, aproveitam para estarem juntos, pois a entrevista de Daniel foi adiada para o dia seguinte e a resposta do advogado quanto à deportação de Natasha para a Jamaica também.
A narrativa conduz o espectador para o mistério e leva-o a pensar que nada acontece por acaso. Ela visita a loja de shampoos africanos da família de Daniel e ele diz-lhe que isso é um claro sinal do destino, que a loja de produtos africanos é um claro indicador que ele estava destinado a uma mulher de origem africana. Ela não se deixa impressionar por isso, repetindo que amanhã saberá da decisão da deportação.
Discutem sobre poesia e Natasha pergunta-lhe por que não fazem poemas sobre o Sol, já que ele é tão benevolente para a vida e para a existência humana, não sendo possível haver vida sem ele. Daniel concorda e diz que se escrevem muitos poemas sobre o amor entre um homem e uma mulher, mas não sobre o Sol. Natasha passa o final do dia com Daniel e adormecem juntos num belíssimo parque nova-iorquino. Ao amanhecer, quando acordam, Daniel diz-lhe que os momentos mais doces da vida são vividos ao amanhecer com o nascer do Sol. Mais uma vez, o Sol adquire uma importância nuclear na narrativa desta obra literária adaptada para o Cinema. Com efeito, o Sol assume uma ligação muito forte com a ligação entre Daniel e Natasha.
No dia seguinte, Natasha conhece a decisão sobre o seu processo. Ela fica a saber que não poderá continuar nos EUA, ficando 5 anos sem saber de Daniel até regressar aos EUA, onde encontra Daniel num restaurante no exato momento em que este lê para os clientes um poema sobre o Sol.
O filme é realizado por Ry Russo-Young (“Orphans“, “Ao Som de Um Outro Amor“, “Antes de vos Deixar”) segundo um argumento de Tracy Oliver e que tem por base o “best-seller” homónimo da escritora norte-americana de origem jamaicana Nicola Yoon. Sem dúvida que o argumento foi muito bem arquitectado, com o claro propósito de transmitir que não controlamos o destino e o que tiver de ser será e o que não tiver de ser não será. Quer queiramos quer não! De alguma maneira, faz-me lembrar os filmes “Serendipity – Escrito nas Estrelas” de Peter Cheslom e “O que de Verdade Importa” de Paco Arango.
No primeiro filme, os protagonistas apaixonam-se em Nova Iorque, mas deixam-se de ver num elevador. A protagonista (Kate Beckinsale) diz ao seu amado (John Cusack) para confiar no destino e não forçar as coisas que não adiantará. Passados uns anos voltaram a encontrar-se. Não escolheram nem desejaram a separação. Muito menos planearam o reencontro. Tudo aconteceu fora do controlo da vontade de ambos e da razão.
No segundo filme, o protagonista não quer partir para o Canadá, pretendendo permanecer em Inglaterra, mas está arruinado financeiramente e o seu tio é a única pessoa que o pode salvar, sendo que, para isso, ele é obrigado a ir viver numa casa que o tio tem no Canadá. Ele parte, mas parece que está destinado a uma missão: Ajudar a curar pessoas doentes e a encontrar o amor da sua vida. O que ele não queria era o melhor para ele e para as pessoas que precisavam dele. Como diz Jean de la Fontaine:
O destino é encontrado muitas vezes por caminhos que enveredamos evitar.
Em ambos os filmes, percebe-se a força do destino que é humanamente incontrolável e que se sobrepõe à vontade humana. Nestes filmes, o destino é invencível e a vontade humana irrelevante. Tudo acontece à revelia das nossas intenções e projetos. Há a clara sensação de que é o destino que cria os projetos.
Gostei muito do filme. Os atores tiveram uma interpretação segura e convivente. Charles Melton que ficou conhecido na série exibida na Netflix “13 Reasons Why” provou que é um ator carismático que se expressa com facilidade e que está numa fase de franca ascensão na sua carreira, prometendo continuar a desenvolver o seu bom trabalho na representação. De Yara Shahidi digo o mesmo. A nível de fotografia o filme é deslumbrante. É sensacional ver toda aquela atmosfera de Nova Iorque, uma cidade caótica e agitada, mas que não perde o seu fascínio por causa disso. Mas mais importante de tudo foi a mensagem deste filme. A meu ver, acreditando ou não no destino, o que é certo é que não devemos ser ansiosos e criar muitas expectativas a planear a nossa vida pois há muita coisa que planeamos que não acontece e há muita coisa que acontece que não planeamos. Devemos aceitar a nossa fragilidade com naturalidade. Assim sendo, seremos pessoas naturalmente menos ansiosas e mais confiantes. A necessidade de controlar o incontrolável não deve ser uma necessidade nossa.