Chegamos pela primeira vez no mesmo ano (após o já favorito ao Óscar Inside Out: Divertidamente) à nova viagem da Pixar pelo reino da animação. E que animação… A Viagem de Arlo é o título português e melhor ainda, deveras inesperadamente, que o título original The Good Dinossaur que não é em nada arrebatador. Mesmo assim é na versão original que recomendamos a visualização deste filme (pelo menos para os graúdos que continuam a ser maravilhados desde os anos 90 com o melhor da animação computadorizada desta empresa).
Neste filme, do realizador estreante Peter Sohn, embarcamos numa odisseia sobre o mundo das míticas criaturas que pisaram a Terra há milhões de anos atrás e segundo a premissa de como seria se o asteróide que os destruiu apenas tivesse passado ao lado do planeta, sem sequer entrar na atmosfera. Como tal, acompanhamos Arlo, um Apatosauro e toda a sua família – os pais e os seus irmãos Buck e Libby. Com eles leva uma vida vulgar, próxima a de camponeses que preparam cuidadosamente a sua colheita para a temporada mais fria do ano. O problema é que uma criatura bastante esfomeada – que à primeira vista é pequena mas cuidado, que morde – alimenta-se do milho. A espécie a que pertence é a do homo-sapiens, mas aparenta mais a de um animal selvagem, tornado fofinho no decorrer da trama, do que a um ser humano. Numa tentativa de deixar a sua pegada numa das pedras que protege o alimento, Arlo arma-se em herói, mas esse dinossauro com medo do escuro e de tudo o que se mexe é surpreendido por Spot, a criança que atribuirá respectivo nome. Ao persegui-lo inúmeras vezes ocorre uma reviravolta que o guia por encruzilhadas, numa viagem de descobertas do mundo que o rodeia.
Na verdade, a Viagem de Arlo é também um processo de transformação da inocência infantil para a idade adulta e certas vezes encontramos na personalidade do animal protagonista marcas características de outras personagens da Pixar (a mania de salvador de Woody, a inocência de Wall-E ou a fobia de Marlin) -, por essa razão trata-se de uma viagem de encontro com a história da empresa e que se concilia bem com os planos mais realistas do filme – tanto a água, como a relva ou o sol e as montanhas concebidos digitalmente são excessivamente verosímeis e até nos deixam de queixo caído. Toda a atmosfera dá simultaneamente a conhecer alguns terríveis dinossauros voadores que passaram pela “revelação” e outros T-Rex’s que mais parecem cowboys com a sua manada, em estilo western. Daí que o filme falhe – acrescenta outras raças de dinossauros para tentar animar a espécie de monólogo de Arlo, mas não resulta, tendo sido preferível a sua total omissão. A magia da dupla Arlo/ Spot transforma o cinema de animação numa arte divina, em que só nele o impossível adquire o seu verdadeiro e honesto esplendor.
Por conseguinte, Spot sempre é mais inteligente que Arlo e faz-nos soltar belíssimas gargalhadas. É certo que estamos no domínio do mainstream, mas a percepção daquele elo é uma das mais poderosas histórias que veremos este ano. Outra cena, que perdura é o primeiro toque sentido entre aqueles amigos improváveis e como a memória de uma perda recente os faz perceber que são mais parecidos do que pensam. Já os pirilampos quando surgem, relembram que da escuridão também podem emergir coisas maravilhosas, num plano que mostra a personagem rodopiar – essencialmente frisa uma chamada de atenção para o Homem entender como a Natureza rege o planeta, e não os seus atrozes e destruidores astos. Por oposição, a derradeira sequência está próxima a de A Idade do Gelo, mas sem a mesma tensão emocional – excepto para os mais lamechas -, devido à sua forçada plasticidade – observe também a cor dos cabelos dos humanos que se aproximam de Spot (quiçá momento mais indispensável).
Outro destaque vai para a curta-metragem que é exibida antes do começo de A Viagem de Arlo, designada Sanjay Super-Equipa, que conjuga a religião aos vídeo-jogos. No fim, o espectador sai da sala e percebe que é primeiro preciso ver além das aparências, sentir os sons mais puros do meio em redor e conhecer o extraordinário mundo que nos foi concebido, por isso é que ainda cá estamos, certo?
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