Foi assim que o conheci. Conhecer será talvez um termo desadequado. Melhor dizendo, não vá criar expectativas maiores, foi assim que optou por se apresentar. Recebi dele um ramo de antúrios. Se pensam que daqui sairá um linda e poética história de amor, lamento defraudar-vos (ou defraldar-vos, como dizia uma colega… ahaha) as possibilidades. Não vai. Até porque não terei sido a primeira a quem o fez, que isto aos 40 já nada é novidade, mas sobretudo porque descobri que repetia a proeza com outras no mesmo espaço temporal. Outras pessoas, detalho. E não, também não vem aqui uma história de desamor e ciúme. Os antúrios eram de plástico. Isso mesmo.
Faço parte de um grupo alargado e heterogéneo do Facebook que partilha os livros que vai lendo. O objectivo é evidente: a partilha de opiniões, bem como sugestões de leitura. Pacífico, profícuo e prazenteiro. Os livros apresentados são bastante diversos em temas, autores e géneros. Gosto particularmente do ambiente cooperante e amigável que se gerou. A empatia gera-se e vai-se criando alguma cumplicidade entre os leitores.
Eis senão quando este personagem, com fortes probabilidades de sair duma narrativa non-sense, atravessa o meu caminho.
Alguém publicou que estava a ler o A breve vida das flores, livro que está, de há um ano a esta parte, em grande exposição nos escaparates das livrarias, para além de, regra geral, estar bem cotado entre os leitores. Por acaso li, no verão passado, e gostei muito, razão por que comentei a publicação dando a minha opinião. E o dito senhor, como num anúncio do desodorizante dos anos 80, cedendo a um impulso frequente e rotineiro, brinda-me com uns antúrios, de plástico, justificando-se com o facto de que, também eu, deveria gostar, já que gosto do livro.
Pensei que era um idiota, que é. Mas isso seria muito pouco.
Optei por denominá-lo o jardineiro do antúrio, não sem sentir alguma culpa face àqueles que de facto cuidam das plantas e das flores.
Usando-me da sua presunção, recorro mais uma vez ao latim que referenciei numa crónica recente e explicito o seu modus operandi: aborda as pessoas que gostam especificamente desse livro e saúda-as dessa forma. Um atributo de piroseira, portanto, como todas as flores de plástico são. Uma sobranceira classificação sobre as leituras e sobretudo apreciações alheias.
E não sendo uma evidência recente, esta altivez nas redes sociais é de muito mau gosto.
Somos passiveis de não apreciar a leitura feita por outrem, por não ter a ver connosco ou não gostarmos do género ou do autor. Embora – e tenho de o referir – muitas vezes temos opiniões secundárias sem fundamento e baseadas em factos diversos como pareceres alheios ou mesmo preconceitos. O pensamento é livre e o disparate ainda não é crime. No entanto, talvez devesse ser considerada alguma contenção na exposição dos mesmos. Uma coisa é alguém achar que somos parvos, outra bem mais grave é nós próprios darmos azo a que os outros o confirmem.
Quero com isto dizer que podemos achar que o livro não tem qualquer interesse, que o autor é um analfabeto crónico, que a pessoa tem péssimo gosto nas suas escolhas. Tudo isto é legítimo e natural. O que já não é compreensível é esta necessidade de mostrar o seu desprezo de suposto intelectual pelas partilhas alheias.
A pessoa em questão fez uma publicação em que declarava despudoradamente que não lê escrevinhadores portugueses, e que de forma alguma se poderão comparar a divindades estrangeiras da escrita… Até fiquei satisfeita, confesso. Considerando-me uma escrevinhadora ( dai a minha página de escrita pessoal se designar Escrevinhar / Sandra Ramos), e mais a mais sendo portuguesa, não corro o risco de ser lida por este portentoso crítico e muito menos de ser adorada por ele. Um alívio, portanto. Olha se me enchia a casa de flores plásticas?! Fiquei, embora, com uma duvidosa questão: se não lê literatura portuguesa, como pode considerar que não é comparável a?
No outro dia comecei um livro novo: O meu irmão de Afonso Reis Cabral, esse escrevinhador descendente do Eça. Ousei então publicar no dito grupo, conjuntamente com a foto da capa:
Correndo o risco de levar com antúrios (passámos da censura com lápis azul à dos antúrios ahahah), apresento a minha próxima leitura. Se o jardineiro Paulo não gostar, mande-me antes Margaridas sff. Muito agradecida.
Nunca mais recebi flores.
Amores (de plástico) que se perdem.