Morgan Freeman

É impossível não se notar a sua presença. Com ar de quem não quer saber, arrebata-nos até aos limites como se estivesse ao nosso lado. Aquela voz ecoa, penetra na alma e chega onde é necessária. Um verdadeiro ente divino que acabou por ser escolhido para fazer o papel de Deus, o que não deixa de ser irónico, pois é assumidamente ateu.

O grande ator que nos leva aos píncaros não tinha em mente fazer de conta que tinha outras peles e outras vidas. Quis ser piloto e, como é lógico, optou pela Força Aérea Americana, mas de piloto nem vê-lo. Era mecânico. Contudo não deixou de lado o sonho infantil e já tem o seu brevet para conduzir aviões particulares. Há ideias que têm que ser concretizadas.

O teatro entrou na sua vida e ele soltou a sua garra em vários papéis. A sua persistência e versatilidade chamou a atenção da comunicação social e a nomeação para alguns prémios completou o ramalhete, mesmo que possa ter sido o oposto. Nestas coisas do espetáculo nem sempre as luzes brilham da mesma forma nem com a mesma intensidade.

Passou a ser ator secundário, um daqueles que enche a tela e que faz esquecer o de relevo. Talvez não se lembrem do seu papel em “Tempo de Glória”, mas ele foi o Sargento Rawlins e filmes sobre a Guerra Civil Americana, com regimentos de soldados negros, liderados por um oficial branco, dão logo nas vistas. Filmes de homens e com homens, onde a honra é o ponto de ordem.

Que dizer de “Driving Miss Daisy”? Uma delícia para os sentidos, um bálsamo para a alma, uma lição de vida para todos. Uma história de amizade que quebra barreiras, uma página da vida de tantos que prova que os sentimentos e as pessoas têm todas fraquezas e alegrias, altos e baixos e não é a cor da pele nem as posições sociais que ordenam.

A sua amizade com Clint Eastwood, granjeou-lhe papéis inesquecíveis, adjetivo que lhe assenta que nem uma luva. “Million Dollar Baby” e “Invictus” são dois exemplos. Este homem é um colosso, no sentido mais do que positivo. Todas as vidas que ele desempenha se transformam numa espécie de mina de ouro. Sucesso garantido e um tema de conversa durante anos.

E se agora fosse o momento certo para falar de “Seven”? O filme que retrata divinamente os pecados mortais e os medos que os mesmos acarretam em quem os vê de fora? Um polícia às portas da reforma e quem tem, como última tarefa, um caso único e peculiar. É-lhe atribuído um parceiro, um novato que será um desafio constante. Morgan, o ponderado é o arame que aperta, a linha que cose, o bom senso que brilha.

Que me importa que já esteja na casa dos oitenta? Que idade tem em cada papel? O valor que merece, a eternidade que já conquistou, a serenidade que a vida lhe ofereceu, o tão grande talento que nos oferece, a fama que o vai tapando, a vida que teima em seguir. Há qualquer coisa neste homem que me cheira a para sempre e singularidade.

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