
Em 1974, Portugal sai do seu regime totalitário de mais de 40 anos e define como objectivo entrar na Comunidade Económica Europeia. Após quase metade do século numa política fechada a todos os níveis, o esforço que o país teve de fazer para ir ao encontro aos restantes membros foi o equivalente a entrar numa maratona, quando os seus participantes já vão quase a meio. Se isso seria “necessário” nesse período, o facto é que tornou-se um hábito e hoje vivemos num país que é o reflexo de um esforço desmesurado e medido de uma forma deficiente nos primeiros anos do regime, continuando, ainda hoje, sempre a correr.
Não digo com isto que se deveria ter feito um caminho diferente, ou que se deveriam ter feito apostas diferentes, de todo! Portugal necessitava de um conjunto de infraestruturas que já eram vigentes no resto da Europa, mas que Salazar nunca quis desenvolver, precisamente porque sabia dos recursos que elas precisariam. Fossem estradas, centros industriais, ou simples Universidades, todas elas, nomeadamente as últimas, representavam uma abertura de mentalidades e de estilo de vida que era incomportável ao regime, mas que, sem dúvida nenhuma, fariam de Portugal um país com uma visão estratégica em termos económicos e bem sedimentado na Europa e no mundo.
Todos estes factores levaram a que, em termos de mentalidade, a sociedade portuguesa de finais de 70 e das décadas de 80 e 90 quisesse, rapidamente, aceder a um estilo de vida bem superior ao que eles próprios e os seus pais estavam habituados. Até aqui, nada de errado! O problema é que passou-se do rés-do-chão para o último andar duma forma demasiado rápida. Passámos, num ápice, dum país sem estradas para um emaranhado de vias rodoviárias e ferroviárias, contratos milionários e barrigas que se enchem com eles. Largámos, de forma vertiginosa, uma população iletrada e muito pouco formada para um manancial gigantesco de canudos que agora caminham para outro gigantesco “upgrade”, de licenciados a mestres. O deficitário acesso a condições de saúde deu lugar a um aglutinador de recursos descontrolado (mas onde não se pode tocar). Tudo isto porquê? Porque Portugal deu, mais uma vez, um passo maior do que a perna.
No meio de tudo isto está um espaço gigantesco, vazio e que está ao abandono, que, em muitas sociedades, são o verdadeiro motor da economia. Um espaço vazio que deveria ser pleno de uma estrutura e duma mentalidade de comunidade, de partilha e de vivência social, mas que hoje é pleno duma existência isolada, individualista e redutora. Acredito que essa estrutura social seria o necessário para que o tecido empresarial pudesse crescer com outra perspectiva e com outra solidez, sem o problema que hoje tem, de estruturas burocráticas, cheias de chefes e linhas, às vezes em maior número do que os operacionais, e uma maior partilha e ligação (e sim, acredito que isto também é possível numa grande empresa, multinacional até). Daí até ao funcionamento político seria apenas mais um passo, seria apenas uma questão de mentalidade. Apenas dois exemplos. Porque é que os ministros, secretários de estado e deputados de outros países andam de transportes e bicicleta e vivem em apartamentos com condições básicas, mas suficientes ao seu cargo, e cá isso é quase impensável? Repare-se também como (algo único na Europa) temos inúmeros centros comerciais, impessoais e caóticos, mas conseguimos continuar a reduzir o comércio tradicional e a fazer com que lojas, nomeadamente locais de convívio, como os cafés, fechem à noite e ao domingo?
A minha questão é que, para poder fazer uma grande mudança, Portugal precisa de parar de fazer maratonas e definir o seu próprio caminho, ainda que esteja inserido na UE. A outra questão é que a Europa precisa de ter uma visão mais realista dos seus membros e da sua comunidade, tornando-a numa verdadeira União e numa verdadeira Comunidade.
Com tudo isto não digo, de todo, que Portugal deva regredir, bem longe disso. Portugal só precisa de reestruturar bases, nomeadamente de mentalidade, onde reside a grande crise do país.