Chegado o frio do Outono, já se sente o apetite por estes pratos mais quentes. A gastronomia alentejana está repleta de receitas tradicionais de confortfood – um termo importado mas que tão bem descreve o livro de receitas de qualquer avozinha alentejana. Comida que nos faz sentir bem e que nos põe um sorriso nos lábios. Hoje, na mesa, temos migas!
A receita é fácil e está no fim deste artigo para que todos possam experimentar, mas não é isso que nos motiva, o que nos motiva é contar aquilo que é a magia das migas, a sua história e os seus preceitos.
Sobre esta receita parece que se chamam “açordas” nas outras regiões… a confusão é antiga e grande pois nem entre os alentejanos é consensual. Por exemplo, no alto Alentejo faz-se migas a que nós “baixeiros” consideramos uma açorda mexida… enquanto as nossas migas são chamadas “açordas” para os lados da capital! Como aqui se diria: Tem mais nomes que o almece! (derivado do leite, um subproduto da confecção de queijo).
Aquelas que me trazem aqui são as do baixo Alentejo, em que o principal ingrediente é o pão migado (corto em pequenas fatias), que é frito em azeite, cozido e tostado, criando um rolo magnífico que servia de sustento aos pastores, às famílias e entre almoçaradas de amigos.
Quando as migas saem do forno, tudo se cala, tudo se aquieta, todos ficam à espera de ouvir o estalar da crosta alourada ao forno, de ver o doce aroma e vapor que saem a cada colherada… o derramar do azeite, o misturar do alho frito… só de pensar já estou cheio de fome! Contudo, há que aguardar pois ainda tem de se fazer.
“-Migas para nove!
-Quem são os nove?
-Sou eu mais o meu pai.”
Ao meio dia, minha mãe, muito sábia e estudada, faz as Migas de Rabolo! Ora “rabolar” ou rebolar, como o nome antevê quer dizer que esta receita implica que se volteiem as migas na sertã, amassando o pão e fritando-o em todos os lados, em movimentos semelhantes ao que damos a uma omeleta. Acontece que, com alguma frequência, as migas caem da sertã para o chão, rebolando. Coisa que, segundo alguns gastrónomos, aumenta o sabor e intensidade do prato.
Fora o rabolo, a receita é simples à semelhança de outros pratos alentejanos. São receitas pensadas para se fazerem com poucos recursos, aqueles que se podiam encontrar no campo ou em casa, quando o inverno obrigava a um quase total isolamento nos montes e casas destas famílias.
O que é certo é que as migas são um prato que une as pessoas, são um ritual invernal, são tudo aquilo que se quer na comida – que alimente o corpo e o espírito.
Ah, pela manhã, as migas são óptimas acompanhadas de café bem preto, para começar o dia com esse gosto alentejano!
Existem tantas formas de fazer migas como alentejanos há no mundo, aqui fica a receita cá de casa… bom apetite!
Migas de Rabolo (4 px)
Ingredientes:
– 2/3 de um pão de quilo, duro de preferência;
-Água;
-Azeite;
-4 dentes de alho;
-Carne de Porco (lombo, entrecosto, costeleta…)
Preparação:
- Frita-se a carne em azeite e alho, na sertã. Corta-se o pão duro em pequenas fatias;
- Ao colocar a carne a fritar põe-se água ao lume;
- Retira-se a carne reservando e deixando a gordura e os alhos na será;
- Dispõe-se as fatias no azeite, dentro da sertã;
- Sem deixar o pão fritar, deita-se a água quente sobre as fatias, o suficiente para as molhar (tem de ser a olho);
- Vai-se envolvendo o pão, o azeite e o alho, partindo e amassando as fatias;
- Quando a água e o pão tiverem formado uma massa, começa-se a virar as migas dentro da sertã, deixando fritar no azeite para criar crosta;
- Podem dar-se as tais voltas, fazendo a massa rebolar dentro da sertã como se faz às omeletas (o recorde aqui em casa foi de 48 voltas), mas deixando o pão criar crosta da fritura homogeneamente;
- Pode levar-se ao forno para alourar mais ou adicionar-se extra alho frito, a gosto!
Servem-se as migas com a carne (toucinho, sardinhas ou espargos também é bom), chamam-se todos para a mesa, abre-se um bom tinto e está pronto o almoço…
Assim é, no Alentejo.