Li algures esta semana que os portugueses estão cada vez menos solidários e que somos dos cidadãos da Europa que menos se envolvem em ações de voluntariado. Os portugueses são na sua génese bastante solidários, se considerarmos a forma como acolhemos as pessoas que estão a ver de fora, é um facto.
Talvez o voluntariado não seja um conceito culturalmente bem desenvolvido no nosso país ou talvez não esteja bem adaptado à nossa natureza. Não sei. A ideia que tenho é que, em Portugal sempre houve muita entreajuda e que de alguma forma as pessoas se mobilizam para ajudar mesmo quando são coisas pequenas e de pouca visibilidade. Mesmo não existindo o conceito de comunidade, quando algumas pessoas se mexem para ajudar as coisas acontecem.
É importante ajudarmos os outros, seja de que forma for, o voluntariado é apenas uma das múltiplas formas que o podemos fazer. É suposto sermos nós a procurar as instituições que precisam de voluntários? Ou devem ser as instituições a pedir auxílio? Foi uma das dúvidas com que me deparei, na minha reflexão sobre o tema. É verdade que muitas empresas disponibilizam programas de voluntariado e algumas instituições identificam nos seus sites essa possibilidade para os interessados, mas será suficiente?
Depois desta consideração surgiu outra, como podemos dedicar-nos de corpo e alma a uma causa e lutar por ela, se nos negligenciamos a fazê-lo na nossa própria vida? Não será essa a nossa primeira e mais importante causa?
Entre as pessoas que conheço, sei de algumas que fazem voluntariado habitualmente: seja na ajuda ao próximo com os sem-abrigo, seja com recolha de animais abandonados, no banco alimentar, Refood e por ai fora. Não são muitos, é verdade, mas também noto que são cada vez mais. Existe a necessidade de participar ativamente para fazer a diferença, são os que podem, querem e desejam melhorar a sociedade com o seu contributo e isso é louvável.
Não deixa de ser um ato de coragem e altruísmo, despender do tempo pessoal para dar ao outro e fazer alguma diferença na vida deles. Ao mesmo tempo fico a pensar, se estas pessoas se dedicam a si próprias com a mesma convicção e se existe a preocupação em nutrir-se como existe em cuidar do outro.
O ajudar ao outro pode ser apenas uma forma de evitar olhar para si próprio e para a sua envolvente. Quando nos dedicamos a outras coisas e arranjamos incumbências que nos “ocupam” a mente e o espírito nem sempre o fazemos por devoção. Em muitos casos é uma fuga à realidade. O que não vivo, o que não vejo, o que não sinto não me afeta, é quase como se não estivesse efetivamente a acontecer.
Não existe causa maior do que trabalhar em sintonia com aquilo que somos. Antes de avançarmos para ajudar os outros devemos fazê-lo por nós. Nem sempre temos connosco o carinho e a generosidade que merecemos. Como podemos tê-lo com os outros? A máxima que muitos usam como bandeira: “eu gosto é de ver os outros felizes” ou de “fazê-los felizes” e com isso esqueço-me de ser feliz, não é saudável.
As pessoas não andam felizes, as pessoas não são felizes com a vida que têm. Se a causa maior que temos, que é viver a vida como ela merece, não está a correr bem, como é que conseguimos estar de corpo e alma noutras causas?
Não desculpa nem relativiza esta ausência de participação no voluntariado, não justifica a falta de participação ativa na ajuda ao outro mas talvez ajude a compreender melhor esta falta que nos é comum.