Joana sonhava tanto com o amor que o mundo a julgava uma mulher apaixonada. Vestia-se de vermelho para provocar ainda mais aquele mundo que lhe atribuía paixões desenfreadas que ela nunca viveu.
Joana sabia que era tema de conversa na rua e nos cafés da esquina onde os homens disputavam a sua atenção quando ela voltava para casa, cansada depois de mais um dia de trabalho. As mulheres roídas de inveja censuravam-na e os homens desejavam-na, sonhando com uma noite bem passada.
Naquela cidade Joana era uma guerra sem tréguas à vista. Ela estava, sem saber, entre as mulheres que queriam defender os maridos e os maridos dispostos a enganar as mulheres.
No entanto, por incrível que possa parecer, ninguém a conhecia, nem sequer sabia o seu nome ou de que vivia. Ninguém sabia que por baixo daquele vestido vermelho, com que desfilava todos os dias aos olhos do mundo, existia uma história negra que a fazia chorar. Do amor, de que tanto se falava, ela só conhecia o sabor da dor. E do cheiro da paixão, de que todas a censuravam, só lhe restava o perfume de uma solidão que todas as noites se entranhava na sua pele.
Não estavam enganados os que diziam que ela era feita de amor, porque na verdade o amor era um sonho de que ela não abdicava.
Só que a vida nunca lhe dava o que ela pedia e por isso vivia num velho casarão abandonado entregue às recordações de um passado que tudo lhe roubara. Vivia prisioneira de histórias antigas, no entanto era incriminada pelas fantasias de um mundo que não via as feridas do seu coração e as cicatrizes dos seus pés, que com os anos se habituaram aos espinhos do destino, por vezes demasiado cruel.
Era assim a sua vida e todos os dias cansada de mais um dia vazio passava pela rua apinhada de homens que lhe desejavam o corpo. Caminhava de olhos postos no chão e mesmo assim sentia-lhes o grito do desejo, próprio de quem também sofre por falta de amor.
As esplanadas estavam repletas de mulheres e até ao longe se ouvia o ruído das suas gargalhadas. Não tinham com que ocupar o tempo e por isso reuniam-se ali para apontar o dedo a quem passava na rua. Sentia que lhe seguiam os passos e que a criticavam, mas mesmo com os olhos colados ao alcatrão, para ninguém lhe visse o olhar, ela sentia o cheiro da frieza daquelas mulheres que não tinham tempo para amar e que somente a sabiam incriminar por ter um corpo formoso que fazia renascer a ilusão da paixão nos seus maridos que todos os dias vivam com falta de amor.
Era essa a realidade de Joana, vivia num mundo de desencontros.
Joana entregara-se à solidão depor de ter perdido um amor num passado, um amor que queria esquecer. Por incrível a única forma que arranjou de o esquecer foi deixar a sua aldeia e, na grande cidade, vender o seu corpo a desconhecidos que não a queriam conhecer.
Todos os dias ela vestia essa personagem duma história que não era sua e ia representá-la longe daquele lugar onde durante a noite chorava pelo passado que lhe tinha fugido das mãos. Oferecia o seu corpo a quem precisava de uma companhia perfeita para ganhar a vida. Joana ajuda a alimentar a ilusão de que a beleza pode comprar tudo, por mais que soubesse que são os sentimentos que fazem rodar o mundo.
Depois ao fim do dia, cansada de representar, vestia a sua dura realidade e ainda era julgada pelos olhares de quem não sabia nada da sua vida e a culpava pelas emoções que inocentemente despertava. Uma vida feita de encontros furtivos e desencontros contínuos. Uma vida que era invejada pelas mulheres, que não tinham tempo para amar os homens que a desejavam, enquanto ela sonhava encontrar um amor que tivesse tempo para a compreender e assim pudesse deixar de representar para essa mundo que não a entendia.