Vai chamar velho ao Camões

Quem acredita na reencarnação – como é o meu caso – poderá admitir que a atracção que tenho pela Escócia signifique uma existência nesse país do Norte da Grã-Bretanha. Ainda assim, há um facto contraditório que é não ser aficionado do whisky, embora alguns me calhem bem. No entanto, se nem todos os portugueses gostam de vinho, por que é que os escoceses deveriam apreciar esse destilado?

Tenho tido a possibilidade de ir à Escócia com alguma regularidade e o contentamento mantém-se. A maioria das viagens é para conhecer destilarias, especificamente na região de Speyside, onde se situa a maior parte das destilarias – do país e quiçá do mundo.

A primeira vez que fui a essa região, no centro oriental das Terras Altas, engracei com umas coisas esquisitas espalhadas pela paisagem. Uma coisa que lembra pagodes chineses. De tal modo lembram essas torres religiosas do Oriente, que os escoceses lhes chamam «pagoda» – in english, of course. São as chaminés das destilarias. Penso que não haverá alguma que tenha esses equipamentos com outra fisionomia.

Conforme vou somando destilarias ao meu passaporte, as descobertas diminuem – é normal, penso (o mesmo se passa com as adegas, com os seus parques de inoxes e de barricas). Ainda assim, guardo o espanto da primeira onde estive foi a Belvenie – que os escoceses pronunciam “Balvéni” – alimentada no rio Fiddich, que dá nome ao Glenfiddich, também pertencente à William Grant & Sons, na aldeia de Dufftown.

O processo de produção de whisky de malte é alimento do ego dos escoceses. Como o de vinho é para os habitantes de países vinhateiros.

Uma paixão com minudências deliciosas – compreensíveis, aliás –, como a venda de água engarrafada da mesma fonte que serve a destilaria. Para um escocês, o whisky tem de ser cortado com uma pinga de água, o que lhe liberta aromas. Um purista terá de usar a correspondente.

Numa dessas incursões pelas glenas (glen – vale estreito e fundo, em “U”, resultado da erosão por glaciar), recebi uma pequena formação, em que o oradorse dirigia, nitidamente, para dentro – para os escoceses.Esse facto foi revelador da preocupação que se vivia – e vive – no sector. A formação vocacionada para profissionais do whisky tentava abrir as mentes para novidade e para novas abordagens àquela bebida.

O problema: o whisky é uma bebida de velhos. A juventude escocesa e britânica estava a mudar o consumo para outros destilados. Ainda não brilhava no firmamento a vaga do gin e já os estrategas da William Grant & Sons deitavam as mãos à cabeça e à obra. Com uma certeza milimétrica, afirmaram que “dentro de três anos, a bebida da moda vai ser o gin”.

O mundo do marketing é notável. Muito antes da moda do gin, em 1999, a William Grant & Sons antecipou-a, lançando o primeiro gin super Premium. Talvez tenha aberto os olhos a outras empresas e desencadeado a fragilidade (relativa) em que as grandes casas sentiam.Nessa formação, conselhos como: por que não juntar água com gás? Por que não juntar Coca-Cola? Por que não…Falando para dentro, algo tinha de ser feito para que o whisky deixasse a tendência de se tornar numa bebida de velhos e que a juventude recusa.

Uma invenção notável foi um whisky sem estágio em madeira. Delicioso ao olfacto e suavíssimo na boca. Para se guardar no congelador, como a vodka, e se servir simples, cortado com água, ou em conjugação com outros componentes.

Uma vez que não se vende em Portugal – e não dispondo de números do comércio – deduzo que o negócio dos whiskies esteja bem de saúde.

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