Dustin Hoffman

É possível que Dustin Hoffman tenha sido um dos primeiros actores de quem me tenha feito fã, na fase da vida em que buscamos referências para acreditar em algo mais do que o que a percepção alcança.

Curiosamente, nenhuma imagem se forma quando tento viajar até ao primeiro contacto, mas é possível que Rain Man, Encontro de Irmãos tenha aberto as portas do Paraíso.

O filme, após um processo de produção atribulado, viria a receber os principais óscares em 1988, entre eles o de Melhor Actor para Hoffman que, no papel de Raymond, me mostrou, talvez por volta dos dez anos, o que é um autista. Muitas matizes foram sendo declinadas pela Psicologia mas no meu imaginário, aquela representação cunhou o modelo contra o qual eu sempre comparo o comportamento de alguém que me dizem sofrer de autismo, Asperger, etc..

A reconstrução da família em ‘Kramer contra Kramer’

Serve a nota para mostrar que, ainda que a exuberância do papel tenha ajudado ao reconhecimento, a qualidade da interpretação aproximou-se da perfeição (ao contrário do filme que, com o tempo, tem vindo a cair na minha “escala Hoffman”).

Dustin Hoffman tem oitenta e três anos, apesar de não parecer. Existem artistas, não sei se pela resistência do físico, que para mim estacionaram na idade de ouro da maturidade sem decadência. Se nunca pareceu novo no cinema, a verdade é que também não entrou na fase sénior (tal como a vejo).

O arranque deu-se aos trinta anos, numa obra icónica da revolução sexual que atravessou a América na década de sessenta: Mike Nichols escolhia um “jovem” desconhecido para encarar o papel de Benjamin Braddock, o jovem que dorme com Mrs. Robinson (Anne Bancroft), que por acaso era mãe da sua namorada. Quando vi A Primeira Noite já conhecia grande parte do trabalho do actor e esta obra veio apenas confirmá-lo. Nascia uma estrela.

Depois de Rain Man, meses ou anos mais tarde, creio ter seguido para Kramer contra Kramer, o filme de Robert Benton que em 1979 traria ao actor o primeiro prémio da Academia. O argumento deveria ser ensinado nas escolas, tal como as interpretações serem apontadas como o exemplo do que o Cinema é capaz. Muito mais do que a história de um divórico, é da construção de relações que trata o filme. E conseguirmos assistir à relação que pai e filho vão tecendo para chegarmos ao fim sem nos conseguirmos decidir pelo pai ou pela mãe (outra grande actriz – Meryl Streep) faz prova da qualidade do trabalho de Benton e dos intérpretes. Embora ambos tenham levado óscares, Hoffman sentiu o seu protagonismo “roubado” nas poucas cenas em que Streep brilha em frente à câmara e os dois não voltaram a contracenar juntos.

A dureza de ‘O Cowboy da Meia-Noite’

Muitos atribuem-lhe mau génio e é possível que tal seja verdade; outros elogiam-nos fora do grande ecrã. Se num artigo sobre uma personalidade eu me proponho falar das razões que me levaram a escrever sobre ela, por fidelidade à verdade devo dizer que Dustin Hoffman é para mim um dos melhores actores vivos. O resto vai e vem mas os filmes, se entretanto não aparecer alguém para os censurar, ficam.

A década de setenta confirmaria o lançamento auspicioso que o final dos sixties já mostrara: em 1969, O Cowboy da Meia-Noite, o primeiro filme classificado para adultos (“rated X”) a obter óscar de Melhor Filme, conta uma fortíssima história de amizade na miséria. No lado podre de Nova York, Enrico “Ratso” e Joe Buck (Dustin Hoffman e Jon Voight) tentam sobreviver no submundo da grande cidade, levando ambos nomeações pelas suas composições. Lembro-me de o meu pai ter dito “Este filme não é para a tua idade.” quando eu tentava vê-lo antes de tempo. Julgo que não demorou muito tempo até o ver.

A mesma advertência foi feita aquando de Papillon, da década seguinte (1973). A história é conhecida. trazendo outro enredo duro para o espectador. Aliás, nesta fase da carreira, Dustin Hoffman, não sei se por acaso, participou em três ou quatro filmes que, possuindo enorme qualidade, nos fazem sentir mal ante a sordidez da realidade retratada: Cães de Palha, de 1971, quase faz da violência (física e psicológica) a sua razão de ser, quando um matemático americano se estabelece com a mulher no countryside inglês, começando quase de imediato a serem intimidados pelos habitantes locais, que perseguem o casal, em particular a mulher. Esta, originária da zona, reencontra o antigo namorado e os locais não aceitam a sua união com alguém “de fora”. Uma cena de violação altamente polémica sugere algo que levou à censura da mesma.

O escândalo de Watergate filmado com mestria por Alan J. Pakula.

O Homem da Maratona e Os Homens do Presidente douraram o ano de 1976 na carreira de Hoffman, o primeiro reconstituindo a investigação de Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas do Washington Post, no caso Watergate; no segundo, o actor reencontra John Schlesinger, com quem já havia trabalhado em O Cowboy da Meia-Noite, num thriller que aproveita a herança dos antigos criminosos nazis na penumbra.

A carreira de Hoffman “terminou” com a entrada na década de noventa. Apesar de continuar a filmar, a qualidade dos filmes em que participou não tem comparação possível com o trabalho produzido até então.

Tootsie, uma comédia brilhante de 1982 em que um actor no desemprego se vê obrigado a simular ser uma mulher, ainda brilhou antes de Rain Man, mas pouco mais aconteceu digno de registo na carreira deste “pequeno grande homem”. Devo confessar que não vi (ainda) O Pequeno Grande Homem, A Morte de um Caixeiro Viajante (filme de 1984 para televisão que valeu um Emmy a Hoffman), Lenny (uma nomeação em 1974) e Sleepers – Sentimento de Revolta (1996). Contudo, de todo o trabalho posterior de Hoffman que pude ver, reforço: não tem comparação.

Sir Laurence Olivier ou a tortura nazi em ‘O Homem da Maratona’.

Tal não é incomum no Cinema nem retira brilho a uma carreira que, pelas obras apresentadas, demonstram a qualidade ímpar da filmografia deste magnífico artista: participou em sete filmes nomeados para Melhor Filme (três deles vencedores), levou duas estatuetas, cinco Globos de Ouro, um Emmy e três Baftas.

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