Doar o corpo à ciência – Um acto de amor

O Homem foi o último ser a habitar o planeta, mas encontrou formas de ser mais notado que todos os outros que já o povoavam. Além de ter um modo de locomoção diferente dos restantes, desenvolveu a fala e aprendeu a comunicar de formas tão diversas como as necessárias. Os outros também o fazem, mas não são tão elaborados.

A parte dos afectos é a mais curiosa. Os sentimentos são partilha de todos e a alegria do nascimento torna-se um profundo sofrimento quando a vida termina e recebe o nome de morte. Ao longo dos tempos, este animal racional foi olhando para os seus antepassados com saudade e tristeza. Encontrou uma via para os honrar e os enterramentos eram uma actividade a que todos assistiam.

Entre cremações e enterramentos, com as suas respectivas variantes, os mortos eram lembrados e chorados para que a vida se prolongasse. A derradeira despedida nunca foi fácil, mas acabou por ser aceite pois criaram-se locais para os que partiram ficassem tranquilos. Nestes se chora, se fala, se recorda.

Mais recentemente, com a evolução dos hábitos e costumes bem como com a mudança de mentalidade, a ideia de oferecer o corpo para estudos científicos tem ganho maior importância. Todos os anos são doados cerca de 120 corpos à ciência. Uma atitude altruísta que pode ser a solução para muitas vidas e que pode oferecer respostas óbvias.

Na realidade, só costumam chegar cerca de 10 corpos por ano e nem todos podem ser objecto de estudo. São devidamente analisados e os que estiverem em condições seguem para as salas de aula de medicina. Nos tempos de sensibilidades extremas que se vivem, pode soar a frio, quando é exactamente o seu oposto. Um prolongamento da vida onde a comunicação se mantém.

O processo é muito simples. Quem tomar essa decisão terá de a manifestar junto da Faculdade de Medicina. Será elaborado um documento que prova a vontade do seu autor sem que sofra qualquer tipo de coação. Para que se torne oficial é autenticado. Aquando do óbito, a família entra em contacto com a instituição e será esta que trata de todos os trâmites legais.

Não haverá lugar a velório e muito menos a funeral. Igualmente, não comporta qualquer tipo de despesa. Pode, eventualmente, ser vontade da família que se preste uma homenagem ao defunto e é encontrado um espaço para o fazer. No final, o corpo é recolhido e segue para a sua nova etapa. É apenas um semi-adeus.

Quando já tiver sido estudado na sua plenitude, o que de físico resta, termina a sua função. A família será contactada e nessa altura é o adeus definitivo através duma cerimónia de cremação. As cinzas serão depositadas nos locais próprios, em cemitérios, consoante o local onde ocorra. Tal pode acontecer num espaço de tempo breve ou prolongado.

Sentindo assim é um modo de perpetuar a vida dessa pessoa. A sua missão ainda continua até que tudo seja entendido. Enquanto não se der a decisão final não existe local para colocar flores nem, eventualmente, chorar. É como se tivesse havido um chamamento e esse ente querido tenha, de certa forma, subido aos céus.

A dor da perda não desaparece nem se dissipa, mas saber que houve o cuidado ao pensar nos outros é um bálsamo que atenua as feridas e as cicatrizes que costumam sangrar nestas alturas. Foi assim que vivi recentemente, uma semi-despedida que tem continuado a dar vida aos que dela ainda necessitam.

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