É domingo e chove. Tomo posse do sofá e pego no portátil. Por perto, nas suas camas, as minhas cadelas dormitam. A Olívia, 8 anos, fez 4 meses de adoção. A Odete, 13 anos, chegou ontem. Ainda estamos todos a adaptar-nos mas, até agora, serenidade é o mote.
No outro dia perguntavam-me o que é afinal isso de ser-se um bom dono. Parece-me uma questão de relativa facilidade de resposta. No entanto, como sempre, depende muito de quem julga.
Em resumo, salvaguardadas as devidas diferenças, é quase como ser-se um bom pai ou mãe. Ressalto as devidas diferenças. Não acho que seja mãe delas. Nunca me autointitulei dessa forma. Sou cuidadora, dona, se quiserem, embora o título me surja algo relacionado com o Direito das Coisas. Porto de abrigo, garante, talvez. Quando refiro a paternidade é no sentido de ser provedora da qualidade de vida.
Um dono deverá salvaguardar a elementaridade: comida, água, abrigo, segurança, cuidados veterinários, afeto. Se isto é um bom dono? Anda perto, mas para mim esta é a definição apenas de dono, no sentido de responsabilidade. É básico. Quem tem animais e não cumpre estas necessidades, não pode ser designado de dono. Está abaixo do limiar das exigências.
Conhecem a Teoria de Maslow, sobre a hierarquia das necessidades para a motivação humana? Em 1943, Maslow definia 5 níveis, ilustrados numa pirâmide, sendo a base as necessidades fisiológicas, depois a segurança, afeto, estima e autorrealização.
Fazendo uma análise comparativa, um dono, para mim, é o que obrigatoriamente providencia as 3 primeiras: necessidades fisiológicas, segurança e o afeto, que abarca elementos como alimentação, conforto em termos de local onde permanece, abrigado de chuva, frio e calor, cuidados veterinários, espaço para circular livremente, saídas higiénicas de trela para minimizar hipóteses de conflito e convívio salutar com os humanos. Isto é o elementar, meu caro Watson. Infelizmente, há muitos que a isto não chegam. Os tais que deviam ter cães de loiça. Ou de peluche.
Aqueles que mantêm os animais com correntes, sobretudo num espaço diminuto, os que não os levam ao veterinário com a regularidade desejável, ou à rua quando vivem em apartamentos, ou ainda os que os votam ao quintal sem qualquer contacto humano, andam longe de saber sequer o que é ser um dono.
Portanto, ser-se dono é o exercer do essencial. Ser um BOM dono, vai muito além. Para isso é necessário acautelar o bem-estar do animal, em termos comparáveis, à auto-estima e auto-realização.
Complexo? Um pouco. Um animal deverá sentir-se seguro com o dono. Saber-se amado, cuidado, poder confiar que o humano não o ferirá ou causará dano. Contudo, um BOM dono, quanto a mim, tem necessariamente que respeitar o animal na sua natureza. De forma simples, permitir que o cão seja cão.
Para além da indispensável disciplina que temos que impor aos animais, para tornar a sua integração na humanidade mais fácil (andar de trela, não pular sobre as pessoas, não ladrar constantemente, não ser reativo com pessoas ou animais, etc.) temos que dar espaço a que o animal seja animal. Tem que haver momentos em que seja possível socializar com os seus, brincando, cheirando os sim-senhores uns dos outros, estabelecendo hierarquias, desafiando para a brincadeira, correndo.
Vesti-los com vestidinhos e coleirinhas com brilhantes e outras parvoíces dessas é só retirar-lhes dignidade. Já uma capa para a chuva ou frio é aceitável, sobretudo nas cidades e nos animais mais velhos, com menor controlo de temperatura.
É também importante estimular o animal para que use as suas capacidades cognitivas, não só na atualidade, como também como prevenção de doenças neurológicas. Um pouco como as palavras cruzadas para os humanos. O uso de brinquedos, por exemplo, que os mantenham ocupados e focados, sozinhos ou com os humanos. Cordas, bolas onde se esconde ração e que têm que rodar para a obter, por exemplo. Exercitar o seu faro, escondendo biscoitos pela casa e fazendo-os procurar. Ou então simplesmente estimular-lhes o toque com caminhas fofas (brincadeira…ahahah).
Ser um BOM dono é permitir o completo desenvolvimento e bem-estar do cão ou do gato. É permitir-lhe ser. Como aliás deverá acontecer em todos os relacionamentos.