O Poder da Fé

Todos nós conhecemos o Santuário de Fátima. Pelos mais variados motivos. Seja como ponto turístico, seja pela estrutura em si, seja pela história que o envolve ou pelo poder da Fé que move milhares de pessoas, mas afinal o que é esse poder da fé? O que é a fé?

Confesso que sou católica, porém, não 100% praticante. Tive catequese como a maior parte das crianças tiveram, sou batizada, rezo e vou à missa sempre que posso. Apesar de não ser totalmente praticante, em vários momentos da minha vida, “falo” com Deus e “falo” com a minha avó que já partiu.

Tenho familiares e amigos que são de facto praticantes e vivem essa fé de forma intensa. Sempre fui a Fátima nas datas ditas “comuns”, sem ser no 13 de Maio nem do 12 de Outubro. A última vez que fui, vi pessoas a caminharem ajoelhadas em direção ao altar. Sempre me intrigou que poder era esse que movia pessoas a irem a pé das várias partes do país e do mundo.

Contudo, este ano foi diferente. Um familiar meu foi a pé a Fátima em Maio e agora em Outubro e decidi ir ter com ele a Fátima.

Nunca vi o Santuário daquela forma. Eram milhares de pessoas com as velas nas mãos, com várias velas para queimarem, cada uma respeitante a um familiar, amigo, agradecimento ou até problema. No meio do escuro da noite, o Santuário era iluminado por milhares de velas erguidas.

Confesso que cheguei e senti um misto de emoções.

Olhava para cada rosto que escutava as palavras que o padre proferia. E comecei a sentir.

Comecei a sentir que cada um tinha a sua dor, que cada um tinha a sua esperança. Eram milhares de pessoas de todos os cantos do mundo, de todas as culturas. Muitas choravam e muitas tinham no rosto a fé de que algo iria melhorar depois de saírem do Santuário. Senti uma paz enorme dentro de mim, como nunca tinha sentido. Senti-me tranquila, em paz de espírito. Tudo naquele momento fazia sentido. Todos os problemas, as preocupações, todos os sentimentos negativos, naquele momento tornaram-se pequenos, perante a enorme emoção que se sentia naquela noite.

Decidi falar com dois peregrinos (preferi colocar nomes fictícios e não indicar qual a região do país que partiram a pé, por respeito e privacidade). Comecemos pelo “Manuel”.

“Manuel” chorava, quando chegou ao Santuário. A primeira pergunta que lhe fiz foi o que o motivou a fazer esta caminhada, durante 4 dias.

Disse que veio, porque o seu filho tinha falecido (ainda bastante jovem) e pela irmã que tinha retirado um peito, devido a um cancro da mama. “Sinto-me bem, quando aqui venho. Sinto-me em paz. Paz que não temos durante o nosso dia-a-dia”, disse “Manuel”.

Perguntei como é caminhar tantos quilómetros, durante dias. “Custa sempre. Muitas pessoas querem desistir e muitas vezes dá vontade de desistir, mas nós damos apoio uns aos outros. Quando um está mais em baixo, o outro puxa e ajuda a erguer-se e a não desistir. Além da fé de cada um, temos a fé do grupo, nunca deixamos ninguém desistir, nem nunca deixamos ninguém para trás. Dói muito, as dores são muitas, mas nós ajudámo-nos uns aos outros”, conta com os olhos embebecidos.

À medida que ia falando com este peregrino, percebi que as palavras nestas situações têm mais impacto e podem fazer toda a diferença. Um simples “Vamos lá! Tu consegues” pode trazer ao de cima a nossa maior força escondida dentro de nós.

“António” foi outro peregrino com quem falei. Tinha os calcanhares em ferida. Fiz exatamente a mesma pergunta, o que o motivou a fazer tantos quilómetros durante tantos dias. “A primeira vez que vim foi pela minha mãe. Ela faleceu e eu não sabia se ela tinha promessa ou não. Então, vim mais os meus irmãos para cumprir uma promessa à nossa mãe que nem sabia se de facto existia ou não, mas viemos”, disse. Após isto, questionei, então, porque veio novamente.

“Porque me senti bem da primeira vez que vim. Senti uma paz e uma força enorme e decidi continuar a vir mesmo sem promessa. Venho, porque gosto mesmo e porque me sinto muito bem. Não sei explicar”, contou.

Reparei nas feridas que tinha e perguntei como conseguiu caminhar. “Durante a caminhada temos muitos momentos difíceis, passamos por um grande martírio e dá mesmo vontade de desistir, mas, em grupo tudo se supera, ajudamo-nos uns aos outros. E naquele momento em que parece que vamos mesmo desistir, existe algo maior que nos dá a força que precisamos. Conversamos com alguém divino e a vontade de desistir passa”, explica “António”, que, enquanto falava comigo, estava descalço.

Perguntei-lhe o que se sente ao chegar ao Santuário: “Uma emoção enorme. Qualquer dor passa. Seja dor psicológica, seja dor física, como pode ver nos meus pés. Tudo isso passa. Esta emoção que se sente vale todo o sacrifício e qualquer dor. Vou continuar a vir, mesmo sem promessa”, explica este peregrino. Das conversas que eu ia ouvindo de várias pessoas ao meu lado, todas partilhavam do mesmo sentimento. As dores desaparecem e dão lugar à fé, à esperança, à paz. Paz é a palavra que mais ouvi no meio de milhares de pessoas.

E percebi. Percebi que todos nós necessitamos de sentir algo superior a nós, que nos reconforte nos momentos mais difíceis.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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