“A ambição é a forma de tornar o eu real.”
– Vincent Van Gogh
Consultando um dicionário podemos encontrar múltiplos sinónimos sobre a palavra “ambição”:
– desejo desmedido pelo poder, dinheiro, bens materiais, glória, fausto, reconhecimento
– obstinação intensa para conseguir determinado propósito, vontade de alcançar sucesso, pretensão, anseio, sofreguidão, desejo, cobiça, sede, avidez
Contudo, afinal o que é a ambição? Será assim tão complicado de explicar, de encontrar uma definição que seja correcta e adequada? Na verdade, seja ela qual for ficará sempre aquém daquilo que se pretende, como a própria ambição.
Ser ambicioso implica riscos que devem ser calculados. No entanto, o ambicioso, que costuma acumular com outras características próximas, tais como o egocentrismo e o egoísmo, não as mede. Aliás, nem pensa nelas. O mundo centra-se em si e nada mais tem importância. Onde está a dificuldade de entender estas ideias tão básicas?
Recordo um episódio antigo que teve o seu desfecho esta semana. Um deputado escreveu, num jornal regional, que o país estava a ficar inundado pela “peste grisalha”, referindo-se ao facto de a população estar a ficar envelhecida. Um leitor, António Figueiredo Silva, não gostou do modo pouco simpático da metáfora e respondeu-lhe em forma de Carta Aberta. O visado, Carlos Peixoto, eleito pelo círculo eleitoral da Guarda do PSD, decidiu processá-lo.
Paremos aqui para fazer uma pequena análise. O deputado refere-se aos idosos como uma doença, uma situação que se propaga sem controlo. A inexistência de respeito pelos mais velhos e pelos seus próprios progenitores é notória. Como não mediu as consequências, esqueceu-se de que um dia faria parte dela. Usou do seu estatuto, deputado, para fazer valer os seus caprichos. Não me parece que fosse caso para tal. Situações graves não chegam aos tribunais porque quem as apresenta é um cidadão comum. Houve aqui, nitidamente, favorecimento.
O idoso estava no direito de manifestar o seu desagrado pelo ouvido. Teve uma vida da trabalho, de contribuição para um país que, naquele momento, tinha como representante uma pessoa que lhe desagradava. É legítimo e exerceu o seu direito. Claro que já se encontrava na situação de aposentado e não contribuía para a riqueza do país. Já o havia feito e estava a colher os frutos do seu trabalho. Tal como ele, devem ter existido milhares de pessoas que se sentiram ofendidas, mas não deram a cara. Típico. Quando é para se chegar à frente estão todos muito ocupados.
Saiu agora a decisão do juiz. O idoso foi condenado a pagar 3000 euros ao queixoso. Dá vontade de chamar queixinhas ao deputado e estúpido ao juiz. O valor em causa, escandaloso, de nada acrescenta ao deputado, que deve ter amealhado somas muitos superiores a esta durante o seu mandato. Para o emissor do cheque já não será do mesmo modo. Significa vários meses de reforma e uma mudança na sua vida. Injustiças julgadas por um juiz.
Portanto, o deputado fica contente porque ganhou o caso e recebe aquele montante que nenhuma falta lhe faz. O idoso perde e ainda sofre a humilhação de ser condenado por uma verdade insofismável: chegar a velho é um privilégio. Curiosamente numa fotografia mais recente do deputado já se notam alguns fios de cabelo grisalhos. Provavelmente terá sido infectado pela peste, transmitida pelo cheque que recebeu. De valor era queimar-lhe as mãos, mas isto não se pode escrever, porque não é politicamente correcto.
De que lhe serviu a ambição? Neste caso tornou o seu eu real, mostrou aquilo que verdadeiramente era e aquilo que se pode esperar dele. Como tinha estatuto político, sentiu-se no direito de fazer o papel de menino mimado ofendido. Senhor juiz, aquele velhinho gozou comigo. O juiz não será tão diferente quanto o deputado em questão. Pode sempre pintar os cabelos e nunca ficará grisalho. Isso é era uma justiça poética.
Nos últimos dias fomos inundados com as declarações de um dos proprietários de uma cadeia de lojas, causando uma grande polémica. Em tempos, este mesmo senhor tinha mostrado que quando era preciso trabalhar arregaçava as mangas e nada o impedia. Via-se o senhor a pintar as paredes de mais uma loja que ia abrir. Foi bonito e ficou muito bem na fotografia. A sua entrevista é que borrou a pintura toda.
Nas suas palavras, o valor do salário mínimo não estava correcto e muito menos a lei laboral que não permite que os horários de trabalho sejam superiores a 40 horas. Explicava que essa mesma lei impede que os seus colaboradores (eu já explico a diferença entre colaborador e funcionário) possam trabalhar mais horas nas suas lojas e têm que recorrer a outras entidades.
Até aqui parece-nos uma pessoa atenta e preocupada com os seus. Contudo, esta adversativa que muda tudo, depois entendemos o que efectivamente disse. Explicou que somente 25% da massa (as pessoas) assalariada é que auferia esse valor, os outros já a ultrapassavam (talvez em cêntimos e já explico o que quero dizer). Defendia que, se não existisse essa lei, poder-se-iam criar horários de trabalho de 60 horas e saíam todos beneficiados.
Alto que não percebi! Voltei a ouvi-lo e ainda mais outra vez. Os meus ouvidos não me estavam a trair. Resumindo, o que dizia era que pagar horas extra (um crime?), implicava um acréscimo de custos para a entidade patronal. Por isso se pudessem trabalhar mais horas, as tais 60 já referidas, resolviam o assunto. Resolviam porque não precisavam de trabalhar num outro local (e assim ele tinha mais lucro ) acabando por receber um salário correspondente.
A estatística é um pau de dois bicos. Com o mesmo valor podemos falar de sucesso e de fracasso. É como ter o copo meio cheio ou meio vazio. Se a massa referida for de cerca de 500 pessoas a auferirem um salário na ordem dos 600 euros e os gerentes estiverem na casa dos 2000 euros (é só um exercício), a média é enganadora, 605 euros. No entanto existem duas pessoas que estão muito longe dessa média. Entenderam?
Vejamos, na óptica do senhor gerente o facto de as pessoas trabalharem 12 horas por dia era legítimo e benéfico. Não ter vida própria, estar ausente das suas famílias ou do lazer eram meros detalhes, sem a menor importância. Penso que a ideia de se ter um trabalho, para receber dinheiro, é para o mesmo ser utilizado em benefício do trabalhador, poder comprar comida, ter férias e outras necessidades básicas. Estou enganada, pelos vistos.
Aproveito para explicar que um colaborador é uma pessoa que trabalha para alguém, mas efectua os seus próprios descontos, sem intervenção da entidade patronal, que não terá gasto algum, mas sim proveito. Um funcionário está vinculado à empresa e, como tal, esta terá de suportar uma parte dos seus impostos. Percebe-se porque não interessa. Os custos, conforme foi dito, são elevados e as empresas o que pretendem é obter lucro.
Ora, estas palavras ditas por alguém que já foi assalariado e que teve de trabalhar para mostrar o seu valor, penso eu que terá sido assim, são muito estranhas. De facto as pessoas são muito complexas. Na verdade têm dois pesos e duas medidas. Enquanto trabalhador considera que o que recebe é pouco, mas enquanto patrão pensa que está a ser generoso. Difícil de entender.
Sabendo que a empresa teve um lucro de 26 milhões de euros em 2016 e que prevê aumentá-lo em 30%, para 2017, serve para ficar bastante apreensivo. Recordo os longínquos tempos da Revolução Industrial, onde não existia horário de trabalho e muito menos salário mínimo estipulado. Os homens recebiam um valor, as mulheres metade e as crianças somente 1/8. O trabalho era o mesmo e o das crianças mais perigoso. Objectivo? Lucro.
Certamente que o senhor gerente terá uma vida confortável, que se desloca com facilidade no seu carro e que as suas férias não serão passadas em casa a ver as séries gravadas durante meses. Ainda bem para ele. Viajar é aprender e podia também aproveitar e perceber certas práticas usadas nos outros países.
A ambição, neste caso é ter cada vez mais, possuir, acumular e querer sempre mais e nunca ficar satisfeito. Vai conseguindo porque existe a necessidade e as pessoas subjugam-se para terem algo. Nem a ironia do seu primo, o outro proprietário das lojas, conseguiu desdizer o que estava dito. De nada serve rectificar o que surtiu logo efeito. É continuar a assumir, como o faz, de cabeça erguida.
A ambição é o último recurso do fracassado. Pode ser muito bem sucedido em termos empresariais, ter acumulado uma riqueza que se transforma em bens físicos e atraentes, mas no seu íntimo, é um ser pequenino, mesquinho, que se refere a quem o alimenta como uma massa e que é, afinal, favorecida por uma legislação que o prejudica.
Este é o nosso país, em duas versões bem diferentes e tão parecidas. Um deputado, alguém eleito por voto, sufrágio universal, que insulta os mais idosos, aqueles que o fizeram chegar onde está e sai beneficiado. O outro, um empresário, um homem de negócios que olha para quem lhe faz crescer o negócio, quem assegura a sua qualidade de vida, como uma massa ingrata e preguiçosa.
Assim vai Portugal.
“A ambição é o último recurso do fracassado.”
– Oscar Wilde