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A solidão é um dos males das sociedades modernas


A solidão não é mais do que um obstáculo na vida do ser humano, é algo que se atravessa no início, meio ou fim do caminho que cada um de nós define fazer, umas vezes superamos com sucesso, outras vezes enfrentamos muita dificuldade. É como se fosse um parente invisível que sentimos presente quando nos debatemos com as agruras da vida, a que somos sujeitos no nosso dia a dia e que achamos que estamos bem, dialogamos com o nosso eu, revoltamo-nos, até choramos e o chamado “parente” não está lá, é a ilusão de pensarmos que estamos apoiados, mas não estamos – o que está é somente a solidão, um dos grandes males das sociedades modernas.

Neste contexto, hoje trago-vos o poderoso romance da escritora Isabela Figueiredo, Um cão no meio do Caminho, edição 2022 da Caminho, que retrata as histórias de um homem e de uma mulher, José Viriato e Beatriz, que sofrem cada um deles de forma própria e muito detalhada no livro o pesadelo da solidão. Isto é, quando duas solidões se juntam numa narrativa improvável.

A autora, Isabela Figueiredo, apresenta personagens que estão à procura de um rumo e que, de alguma forma, se sentem escravas da não liberdade, de estarem presas a modelos e estereótipos da sociedade que contamina a sua liberdade de estarem à procura de coisas novas para viverem esses mesmos momentos. É destacado o tempo que se seguiu pós-revolução do 25 de Abril e ao PREC para descrever um quotidiano caracterizado pela lógica de respeito pelos direitos do outro, pelo respeito pelos mais velhos e também pelos animais.

A felicidade surge como pano de fundo em episódios de revolta com a procura de uma mudança não centrada na luta social, mas mais no indivíduo. A autora cria na sua narrativa anti-heróis em que todas as personagens são essenciais para nutrir o enredo principal.

Um cão no meio do caminho vem mostrar que somos todos seres de hábitos enraizados e que não estamos sozinhos na terra, não temos uma ilha que separa pessoas de animais. Aliás, os animais e neste caso, os cães são a maior companhia de amizade, de lealdade para os momentos menos bons na vida.

A personagem José Viriato é o protagonista desta história, alguém que não quer sentir-se preso a nível de afetos, privilegiando a sua liberdade individual construída sobre relações fugidias sem afetos, um percurso de vida acentuado pelo divórcio dos pais, pela morte trágica destes, bem como outras violências da vida. Beatriz é a outra personagem principal, a vizinha improvável, uma mulher que seguiu a sua vida, uma “acumuladora” de tudo no seu espaço e que é vítima das consequências de  estar sozinha e de ocultar um passado.

José Viriato e Beatriz tentam exorcizar passados e, nas dificuldades e, talvez falta de felicidade, cruzam os destinos improváveis nesta história. Felicidade é precisamente a palavra-chave da escrita de Isabela Figueiredo e a ideia subjacente de: O que é ser feliz? Viver! Para quem sofre e, não é pouco, a morte permite voar – é uma libertação. Também dos animais.

A escrita é dura, consistente  como se lhe saísse das entranhas, retrata a lógica machista que assenta num olhar social português, em que a mulher continua a ser ignorada e o olhar da autora desconstrói o estereótipo, mesmo que seja com felicidade, com liberdade e até trauma.

José Viriato, nos seus 50 anos conturbados, é alguém que se marginaliza da sociedade, vive do pouco que tira dos caixotes do lixo durante a madrugada para vender o que os outros deitam foram. Diria que é alguém que vive livre sem obrigações laborais e o tempo livre que tem é quase um luxo, comparando com a sua situação socioeconómica muito débil.

Por seu lado, Beatriz é a vizinha misteriosa que o espia continuamente e que é conhecida no café do bairro como “a matadora” que foi parar á zona da Margem Sul por um acidente com um amor falhado – é a acumuladora de objetos em casa. Uma personagem que está presa numa chamada “lixeira” existencial, da qual está sem forças para sair.

Contudo, a vida vai mudar-lhe o horizonte, na ilha de solidão onde se encontra para cruzar-se com o protagonista José Viriato. A solidão das duas personagens é também uma personagem determinante, tal como um amor mal curado pode ser uma ferida aberta toda a vida. Um cão no meio do caminho pode ser a solução para a distância e, quem sabe para outros reencontros.

Isabel Figueiredo, a autora desta história, sobejamente conhecida pelo seu trabalho como escritora, professora no ensino secundário foi distinguida pelo Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues com a obra “A Gorda”, é já um nome incontornável da literatura lusófona.

Revela uma escrita profunda, um olhar cruo da realidade, escreve sem filtros e, segundo a própria  diz “Sou o que podem ver e ler”.

Convido-vos, assim, a fazerem esta viagem de descoberta do mundo das personagens José Viriato e Beatriz e a interpretar este interessante percurso e final da história.

Num excerto do livro que aconselho a leitura para uma obra atual e polémica deixo-vos o texto: “Olhei para ela, sorri, e pensei que ninguém entra na nossa vida por acaso”, esta é a última frase de Um cão no meio do caminho, de Isabela Figueiredo (pág. 292), edição 2022 da Caminho, em que tudo pode acontecer e muito menos se convida a solidão a entrar na nossa casa.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico

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