A geração dos meus pais não teve qualquer base de apoio, a não ser confiar no instinto, para se desenrascar nesta coisa maravilhosa que é a educação de um ser pequenino.
Com a graça do Senhor — atrevo-me a dizer — não teve 357 grupos de mães a opinar sobre qual a pomada a usar no rabinho do bebé, 428 sentenças que não solicitou ou, ainda, o esquadrão das mães perfeitas a dizer-lhe que se a criança comesse um chocolate ou uma batata frita, ficaria obesa. Sim, que eu sou do tempo de comer pão com banha e açúcar e achar que aquilo era um pitéu dos Deuses.
As coisas, simplesmente, faziam-se. A educação parecia, de facto, mais fácil. Seguiam-se as pisadas dos pais e dos pais destes e por aí íamos todos, com o que isso tinha de bom e de mau.
Pelo contrário, ainda que privilegiada no acesso à informação que jorra por todos os lados, eu consigo sentir a pressão de, por vezes, não ter a mais pálida ideia se o que estou a fazer é acertado ou não, pois esta (des)informação consegue transformar-nos em incapazes e em más pessoas formatadas pelos comportamentos standartizados das brigadas das mães.
A culpa, que se arrasta sempre atrás de nós tipo sombra, às vezes, consegue até a proeza de nos ultrapassar, e ainda nós não chegamos à desilusão de nos sentirmos um fiasco enquanto mães, e já ela está lá à frente a apontar-nos o dedão.
Esta sou eu: Há dias que me sinto a melhor mãe do mundo, e há outros (muitos, infelizmente) que me sinto a pior merda à face da terra. E é sobre a última vez que isso aconteceu que vos quero falar.
A educação da minha geração baseou-se no “desenrascanço” da parte dos nossos pais, e que nós, há falta de melhor comparação, julgámos correta. Ouvimos muitas expressões, castigos ou repreensões que cresceram connosco e nos acompanharam. Para alguns consegui fazer os meus filtros e concluir que já não se adequam, não fazem sentido, por exemplo: nunca disse à minha filha que se se portasse mal a polícia vinha buscá-la, não quero que entenda esta autoridade como uma coisa má, mas sim o contrário. Nunca lhe disse que existe um bicho papão debaixo da cama que lhe puxa o pé se ela não dormir, a bem dizer, ela nunca dormiu e, parece-me que atormentá-la pelo medo iria ter, precisamente, o efeito contrário. No entanto, como referi, há coisas que nos estão enraizadas e que dizemos ou fazemos de forma natural, intrínseca, pensando que também nos disseram a nós e que não foi por isso que nos traumatizaram. Esquecemo-nos que somos todos diferentes, e o que não me traumatiza a mim, pode traumatizar outros. Pode (e pôde) traumatizar a minha pequena Maria Clara.
Numa das suas variadas asneiras, eu disse-lhe que ela era feia, muito feia por estar a fazer disparates. Ela chorou, abraçou-se a mim, e eu retribuí. A coisa passou-se e na manhã seguinte, assim que acordou, ela perguntou-me: Mãe, eu não sou feia? Respondi-lhe, sem dar muito importância à situação, que não, que não era feia, mas insisti que os meninos, quando fazem asneiras, são todos feios. Ela assentiu. Julguei ter o assunto resolvido e que tinha passado a minha mensagem. Achei até, por algumas horas, que sabia o que andava a fazer nesta coisa da maternidade. Oh, quão enganada estava!
A Maria Clara levou mais de duas semanas a fazer-me a mesma pergunta: Mãe, eu não sou feia? E só na terceira ou quarta vez que isto aconteceu é que percebi o quanto esta expressão, enraizada em mim, a tinha magoado.
Disse-lhe sempre que não, que era linda, que estava linda. Nunca mais repeti esta frase e fiz questão de reforçar que ela era a princesa da mãe, e que era e estava, sempre linda.
No entanto, de quando em vez, ela voltava a perguntar-me, e sempre que a via mais triste, sabia que a pergunta ia surgir: Mãe, eu não sou feia?
Começou a partir-me o coração ouvi-la dizer aquelas palavras e a sentir aquele bicho preto e grande consumir-me: a culpa!
Nunca me vou isentar dela, enquanto mãe sei que me acompanhará sempre. Porém, sei também que é urgente rever os nossos moldes e padrões de educação.
E é aqui que percebo, talvez à semelhança de outras mães, que estou a crescer, que estou a amadurecer como pessoa, como mãe. Que esta coisa de educar um ser humano não é assim tão linear e que não podemos, simplesmente, achar que, de uma forma ou de outra, eles serão Seres porreiros. Não podemos. Não é assim que funciona.
Crianças confiantes serão adultos resolvidos. E não é que executar é tão mais difícil do que dizer?
Não sei que desafios me esperam, nem em que adulta se tornará a minha filha, sei que, nesta aventura os passos têm de ser curtinhos e os dias vividos um a seguir ao outro, e sei também que nunca mais lhe disse que era feia, nem permiti que o dissessem.
Nunca pensei que a autoestima da minha filha tivesse de ser oleada aos 3 anos, nunca pensei que seria eu a provocar nela este sentimento.
Nunca pensei… afinal, antes de sermos mães, nunca pensamos nestas coisas. Nem, tão-pouco, que vamos levar estas bofetadas da vida.
Todavia, conforta-me saber que alguma coisa também faço bem quando a ouço replicar a forma como é tratada ao chamar, de modo ternurento e maternal, “meu amor” ao cão de peluche.
Que a vida continue a ser equilibrada entre o conforto do papel cumprido, e a angústia de querer fazer melhor a cada dia que passa.