Conheces “Carmina Burana”?

Caro leitor, “Carmina Burana” diz-te alguma coisa? Acredito que sim, mas, provavelmente, muito pouco. Com este artigo pretendo contar-vos o essencial sobre “Carmina Burana”.

Os 24 poemas de “Carmina Burana” (25, se contarmos com a repetição do primeiro no final) fazem parte de uma colecção de cerca de duzentos poemas encontrados num rolo de pergaminho, na biblioteca da antiga Abadia de Menediktbeuren. Foram escritos por monges, que seriam muito pouco católicos, isto é, os monges Goliardos (seguidores de Golias) exerciam o ofício não por vocação, mas por necessidade, para terem onde dormir e residir, pois eram dados aos pecados mundanos e pouco, ou nada se davam à adoração divina. Por sua vez, Carl Orff melhorou um pouco alguns desses poemas, os tais 24, e musicou-os, não sendo, portanto, o único autor desta obra de tão grande relevância no meio musical.

Filho de uma antiga família de eruditos e militares de Munique, era ainda muito novo, quando se familiarizou com estes poemas de Beuren, e foi a partir do trabalho musical que fez com eles que deu a conhecer o seu estilo. Estilo esse que se caracteriza pelo seu ritmo fortemente penetrante, comprimido em grandes ostinatos, pelo som mágico da orquestração e pela brilhante claridade da harmonia diatónica. Os recursos estilísticos utilizados são muito simples, a forma básica é a canção estrófica com uma melodia diatónica, como é hábito ouvir-se na música popular, com o objectivo de ficar na memória auditiva. Há melodias claramente definidas. Assim, em vez de harmonias extensas, temos uma série de melodias medievais, que se caracterizam por poderem ser repetidas sem se tornarem monótonas. Para os solistas, Orff musicou os poemas com sentido operístico, enquanto que, para o coro, escreveu em tom de declamação, sem que se perca ritmo. Ritmo esse que é acentuado pela instrumentação, que vai da leveza das cordas à força dos sopros e percussão.

Já por várias vezes, em vários locais do mundo, se fizeram encenações para esta cantata, ainda que possa ser apresentada também (e preferencialmente) em versão de concerto. De ressalvar que, à excepção de três, que estão escritos em alemão medieval, todos os poemas estão escritos em latim.

Carmina Burana” é emoldurada por um símbolo de antiguidade – o conceito da Roda da Fortuna, em movimento perpétuo, trazendo alternadamente sorte e azar. É uma parábola da vida humana, exposta a constantes transformações. A dedicatória coral à Deusa Fortuna (O Fortuna, velut luna) tanto introduz, como conclui as canções seculares. Esta escolha de Orff pelos 24 poemas tem um simbolismo de Sorte obscura, que se divide em três secções: o encontro do Homem com a Natureza, particularmente com o despertar da Natureza na Primavera (Veris leta facies); o seu encontro com a Natureza, culminando num encontro com o vinho (“In Taberna”); e há ainda um encontro com o Amor (Amor volate undique), espelhado em “Cours d’amours”, na velha tradição francesa – uma forma de serviço cavalheiresco às damas e ao Amor.

A carga expressiva de “Carmina Burana” estende-se da terna poesia do amor e da natureza (“Cours d’amours”) ao entusiasmo agressivo (“In Taberna”), ainda com momentos solísticos, que mostram a “joie de vivre” que a cantata transmite e também a força devastadora do coro da fortuna (Destino) presente em toda a obra. O latim medieval destes monges libertinos é inundado pela concepção de que a vida humana está submetida aos caprichos da Roda da Fortuna e que a Natureza, o Amor, a Beleza, o Vinho e a Exuberância da vida estão à mercê da eterna lei da mutabilidade. O Homem é, então, visto sob uma luz dura, não sentimental, como um jogo de forças impenetráveis e misteriosas. Este é o ponto de vista característico da atitude anti-romântica da obra.

Carmina Burana” é, provavelmente, a cantata mais ouvida e interpretada em todo o mundo, pelo respeito e importância que Orff tem no meio musical e pela força que as letras dos poemas têm.

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