“Por isso que que te agarras assim ao balcão, velho!” E sem mais demandas, larga-o.
O sapateiro cai no chão como uma pedra. Afonso começa a rir muito e vai para trás do balcão, agachasse onde ele está e diz:
“O teu pequeno segredo. É por isso que sabotaste os meus sapatos. Porque não tens pés! Há! Há! Há! Há!” E olha o com ar de gozo, enquanto finge agarrar os pés que o sapateiro não tem.
O Sapateiro fita-o com raiva, mas desce os olhos para os pés do jovem, lindos pés perfeitos e depois para os seus. Vai com uma mão à cara e limpa uma lágrima que quer cair. Contínua depois a fitar os pés dele como estivesse hipnotizado. O velho bem se tenta levantar para agarrar os pés do jovem com força, mas ele dá conta disso e o sapateiro cai outra vez.
“A sério, seu sapateiro invejoso? Não é a cobiçar e estragar os sapatos dos outros que vais ter pés. Que triste.”
O sapateiro responde:
“Mas sinto-me melhor. Ninguém sabe o que é carregar esta deficiência e ter vergonha se mostrar ao mundo.”
Ambos se olham. Afonso começa a sentir pena dele. Velho gordo e sem pés. Muito triste destino.
“Sapateiro não me deves nada. Já tens com que te preocupar.” Enquanto percorre com o olhar o vazio dos pés do velho.
Afonso levanta-se. A raiva já tinha passado e o gozo já é menor, porque se depara com a tristeza nos olhos do velho, que está quase , quase a chorar.
Quando o jovem ia se embora o velho diz:
“Obrigado por teres pena de mim e olhares realmente para mim.“
E de repente, dá um espalmo no corpo e, numa última tentativa de recuperar a sua honra e remediar o seu segredo, diz:
“Oh, jovem, mas isso também não invalida os pés grandes que tens!” E ri feito um louco.
O jovem olha o e abana a cabeça. E pensa que não vale, despender força com um velho louco que é a tragédia em pessoa.
“Até nunca sapateiro sem pés!” E vai-se embora a rir, enquanto fecha a porta da loja com os ruídos dos guizos.